sábado, 22 de junho de 2013

Anabela na Coelho da Rocha


Anabela na Coelho da Rocha

Uma lisboeta exilada
Numa terra de nevoeiro
Chega ao fim da estrada
Fica no mês de Fevereiro

Tem saudades verdadeiras
Dos lugares e capelistas
Onde havia sardinheiras
E se compravam revistas

Plateia, Século Ilustrado
Flama, Crónica Feminina
Os homens iam para o lado
As mulheres junto à esquina

Onde grupos de varinas
Vendiam o peixe na rua
E no pó das oficinas
Dormia a sombra da lua

Onde ainda havia carroças
Petróleo, azeite, verduras
As batas brancas das moças
Eram luz das ruas escuras

Onde o vinho e o carvão
Se vendiam numa taberna
E os copos desse balcão
Brilhavam pela lanterna

Onde havia barbearias
E retratos pendurados
Falavam todos os dias
De jogadores admirados

Onde à noite os ardinas
Trazem notícias na mão
As palavras pequeninas
Não chegam ao coração

Eléctricos de atrelado
Com bilhetes de operário
Na paragem do passado
A vida anda ao contrário

Ninguém toca campainha
A dar o sinal de partida
No assento de palhinha
Está sentada a nossa vida

É uma vida misteriosa
Que fica por desvendar
E a poesia tão teimosa
Não desiste de cantar

Uma lisboeta isolada
Numa terra de nevoeiro
Chega ao fim da estrada
Fica no mês de Fevereiro

Casa Fernando Pessoa, 30-11-2006


José do Carmo Francisco 

(Óleo de João Beja)          

1 comentário:

  1. Uma conversa entre a Coelho da Rocha e a Rua da Rosa e o poema aconteceu. Só mesmo os poetas conseguem captar a essência das coisas, ou não fosse a poesia a entidade onde, segundo Lorca, reside o mistério de todas as coisas, Obrigada, poeta.

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