quinta-feira, 30 de agosto de 2018

Poema periférico para Eduardo Guerra Carneiro


Poema periférico para Eduardo Guerra Carneiro

A velha fotografia em Mafra junta quatro talentos
Eduardo Guerra Carneiro, Nuno Guimarães, José Cid
E Adriano Correia de Oliveira, os músicos e os poetas.
Hoje apenas José Cid canta na quinta em Mogofores
Em nome da memória dessas quatro vozes antigas
No distante ano de mil novecentos e sessenta e dois.
Em Mafra se ensinava e se aprendia a matar negros
Em emboscadas, golpes de mão, assaltos de surpresa
Num Mundo apenas dividido em nossas tropas e inimigo.
Era José Cid que sempre levava ao ombro duas G três
A arma dele e a do Adriano, quase sempre cansado
A meio das marchas do pelotão na Tapada de Mafra.
As clarabóias das casas acendem mais cedo deste lado
Porque aqui o Sol chega primeiro na manhã de Lisboa
No Pai do Vento onde há hoje uma memória de moínhos.
Em Vila Real no Liceu chamavam «galego» ao Eduardo
Mas ele não se importava ele queria ser um emigrante
O Circo Mariano, os ciganos, os galegos, os nómadas.

José do Carmo Francisco
         

segunda-feira, 20 de agosto de 2018

Poema periférico para Thomas Francisco Sutherland



Poema periférico para Thomas Francisco Sutherland

Teu nome está na dedicatória de um livro de 2007
Escrito pelo teu tio Filipe sobre o Marquês de Alorna
Talvez por isso não é surpresa a estreia aos onze anos.
 O poema é uma casa como o Mosteiro de Alcobaça
Onde o primo Luís Almeida toca Trumpet Voluntary
De Jeremiah Clarke num casamento da nossa gente.
Aqui se juntam as cores das aguarelas da avó Joan
E as caminhadas do avô Alistair pelas montanhas
Como no mar do poema mas com pedras e neblina.  
Tudo pode ter afinal começado algures numa frase
Quando disseste preferir de longe a minha casa
Apesar dos gritos dos bêbados na Rua da Rosa.
Sinto no teu poema a música do avô do teu avô
A Filarmónica fazia peditório, arraial e procissão
Um intervalo de alegria no tempo sempre igual.
O poema é a tua casa onde cabemos todos nós
Onde te encontrou o carro-patrulha tão veloz
Chamado pelos polícias a cavalo de Lewisham.

José do Carmo Francisco    

domingo, 12 de agosto de 2018

Segunda balada para o Museu da Carrapateira



Segunda balada para o Museu da Carrapateira

No milho as sete meninas
Com o homem a fazer par
As águas frescas das minas
Matam a sede de cantar.
Na várzea desta ribeira
Tudo se dá tudo se cria
À noite junto à lareira
A ceia é sempre alegria.
Lugar feliz, verdadeiro
Do cansaço da colheita
Tulhas cheias no celeiro
Da sementeira perfeita.
Linha de separação
Entre a terra e o mar
E corta a respiração
A quem veio espeitar.
Ali qualquer distracção
Pode perder uma vida
Presa à corda com a mão
Pescaria apetecida.
Na mesa do restaurante
Em forma de um petisco
Num lugar longe distante
Ninguém lembra esse risco.

José do Carmo Francisco   

(fotografia de autor desconhecido)

quinta-feira, 2 de agosto de 2018

Balada do Museu da Carrapateira


Balada do Museu da Carrapateira

Neste resumo do Mundo
Feito numa casa de luz
Há um sentido profundo
Do que a memória produz.
Num arado tão comprido
Puxado por dois muares
Fica um passado relido
De todos estes lugares.
Nos fósseis tão presentes
Em memória do passado
Há nas escalas diferentes
Partes do mar reservado.
Mar e terra lado a lado
Pescaria e sementeira
Há um tempo registado
Museu da Carrapateira.
Para além deste lugar
E além desta memória
Parte da terra e do mar
Entram na mesma história.
Dos corsários invasores
Vinham roubar amiúde
Escravos para os senhores
A mais bela juventude.     

José do Carmo Francisco