quarta-feira, 28 de outubro de 2015

Segunda moda popular


Segunda moda popular

Nas terras do Alentejo
É tudo tão asseado
As casas e os corações
Sempre tudo anda lavado     (Popular - Baixo Alentejo)

Nesta tarde de nevoeiro
Onde o olhar se espreguiça
Vem do lado do Barreiro
O som de uma campaniça

Vem do lado do Barreiro
Passa por cima do Tejo
Mas o som chega inteiro
Como no Baixo Alentejo

Oiço o coro já se arrasta
No fundo da minha rua
Mas o coro não me basta
Quero ouvir a voz que é tua

Eu faço de cada poema
As cordas de uma viola
E escondo-me no cinema
Sempre que falto à escola

Julgo ver o teu olhar
Na linha do horizonte
Silhueta a atravessar
A estrada para o monte

São casas são corações
Onde quero ser habitante
Procuro nestas canções
Chegar ainda mais adiante

Quero ouvir-te em directo
Sem recurso ao diferido
Quero um poema concreto
O título está estabelecido

O título está no teu nome
Os versos são os teus dedos
Os meus olhos têm fome
Do doce dos teus segredos

 José do Carmo Francisco

(fotografia de autor desconhecido)

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Primeira moda popular


Primeira moda popular

Para lá de Lisboa ainda
Tenho um lencinho a corar
Uma menina tão linda
Eu nunca pensei de amar       (Popular -Baixo Alentejo)

Para lá de Lisboa ainda
No caminho da fresca serra
Uma canção que não finda
Traz o meu peito em guerra

Para lá de Lisboa ainda
Junto à pomba de metal
Há nuvens de ida e vinda
Como num bilhete postal

Tenho um lencinho a corar
Dá o sol na humidade
Não há luz no meu olhar
Se não chego à verdade

Tenho um lencinho a corar
Por causa desta saudade
Enxuguei o meu olhar
Entre o campo e a cidade

Uma menina tão linda
Uma tão linda pessoa
Para lá de Lisboa ainda
Ainda para lá de Lisboa

Uma menina tão linda
Sorriso de camponesa
Na memória desavinda
Só recordo a sua beleza

Eu nunca pensei de amar
Tinha o coração vazio
Fiquei longe do lugar
Entre uma serra e um rio

Eu nunca pensei de amar
Tinha o coração fechado
Bastou apenas um olhar
Para eu ficar do seu lado

José do Carmo Francisco

(O óleo é de Lana Khavronenko)

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

Via verde na estrada de Benfica


Via verde na estrada de Benfica

Quem sai do hospital só pensa na morte
E depois da filha em férias, nas viagens
As dores abdominais o rosto da má sorte
De não poder sorrir com ela nas portagens.
A produção de saquetas foi descontinuada
O medicamento era assim como a cecrisina
Este é hoje como um copo de água salgada
De doze em doze horas o tempo da rotina.
Quem sai do hospital só pensa na morte
Não lhe convinha morrer se fosse agora
Hoje a filha em férias segue para o Norte
Com a via verde não vai parar a toda a hora.
Vejo uma carroça num pátio de moradia
Parece ficou esquecida pela marcha popular
Há setenta anos os burros desta freguesia
Levavam na marcha gente a sorrir e a cantar

José do Carmo Francisco      


(A fotografia é de autor desconhecido)

sábado, 3 de outubro de 2015

Balada para 90 anos da «Gazeta das Caldas»


Balada para 90 anos da «Gazeta das Caldas»

Na balada que é só minha
A memória é uma mistura
Estou nas Caldas da Rainha
Cruzo a Rua da Amargura
Faço exames numa escola
Em Abril e era a terceira
Num frio de usar camisola
O medo era uma torneira
Em Julho a quarta classe
O diploma vem de Leiria
E sem que eu esperasse
Tive um fato nesse dia
Nos Armazéns do Chiado
Que era na Praça da Fruta
Anos depois assustado
Eu começava outra luta
Minha prima Deolinda
Tinha manteiga no pão
Na recruta que não finda
Seu amor era oração
Reencontrei Juventino
Num café à sua mesa
Mal sabia que o destino
Me reservava a surpresa
Hoje se sou jornalista
Devo ao querer imitar
Em jornal ou em revista
Seu percurso singular
Que começou na aldeia
No Jornal Catarinense
Onde a força duma ideia
É razão que tudo vence
Foi nesta automotora
Que o Mundo cresceu
Do menino de outrora
Ao adulto que sou eu
Entre horário da carreira
E o comboio a atrasar
Já não havia maneira
De chegar ao nosso lar
Nem o Vítor da carrinha
Nem o senhor Guimarães
Resolviam à noitinha
Problema de pais e mães
Garagem dos Capristanos
Primeiro café de surpresa
E passados tantos anos
Continuamos na mesa
Noventa anos de idade
Cabeçalho dum Jornal 
Começou numa cidade
Vai ao Mundo em geral
Coração em pé de guerra
Ele chega a todo o lado
É o tempo da minha terra
Numas folhas condensado
Tenho meu nome e retrato
Treze anos de presença  
Há um secreto contrato
Que liga nossa diferença
Numa idade mais madura
Abre-se ao Mundo o jornal
A memória é uma mistura
E esta balada é plural
Nela cabem os projectos
Os sonhos e as alegrias
Os jornalistas concretos
A escrever todos os dias

José do Carmo Francisco