domingo, 22 de julho de 2018

Poema periférico para João B.S.



Poema periférico para João B.S.

Havia no ar um puro som da trompa de harmonia
No ensaio geral dos Restauradores a meio da tarde
Como no arraial à torreira do sol no centro da Praça.
Sinto no resto desse som todos os bombardinos
Todos os trombones, os fliscórnios ou as trompetes
Sem esquecer esse meu velho cornetim de 1922.
Meu avô José Almeida Penas terá tocado algures
Entre as Alcobertas, a Granja Nova e a Ramalhosa
Todas as manhãs de peditório, procissão e arraial.
Lembro as cavacas das Caldas que no sol e no pó
Se tornavam mais macias com o vinho tinto fresco
Mergulhado na celha com a água mais fria das noras.
És tu que segues hoje na nova marcha do Mundo
No lugar onde meu avô deixou o pequeno som
Do velho cornetim que hoje já ninguém toca.
Não te esqueças porque és mais que uma figura
Trazes no teu olhar o fim das minhas lágrimas
E da marcha mais grave que eu até hoje ouvi. 

José do Carmo Francisco

sexta-feira, 13 de julho de 2018

Poema periférico para Fernando de Castro Branco


Poema periférico para Fernando de Castro Branco

Estamos os dois na morte de John Wayne
Aliás Marion Michael Morrison de seu nome
Lá pelos idos de 1979 tinha o Fernando 20 anos.
Os facínoras andam a monte na maior impunidade
E estou à espera de homens bons para uma posse
Mas do xerife não há nada nem novas nem mandados.
Estamos os dois e eu também penso que afinal Deus
É da Ovarense quando se trata do assunto basquetebol
E os campeonatos se perdem a três segundos do fim.
Sem todos os contactos desde Maio do ano de 2010
Que fazer agora que recuperei de novo o livro perdido
E assinado num encontro em Vila Nova de Foz Côa?
Talvez seja possível um novo encontro noutro barco
A subir o Douro entre vinho fino e amêndoas torradas
Até ao novo tempo dum novo livro assinado por si.
Um bando de corvos sobrevoa estes pensamentos
Seja aqui ou em Londres junto a Blackheath Park
Onde os meus dois netos correm sem olhar para trás.

José do Carmo Francisco      

(Fotografia de Autor Desconhecido)

quarta-feira, 4 de julho de 2018

A relva em frente



A relva em frente    

(a Jacinto do Prado Coelho)

Numa grande chuva de silêncio / Perfilavam-se as palavras
Erma cartas na praia da mesa  / Com notícias e livros distantes.
A relva em frente continuava a crescer.
Não a relva dos pastores fugidos à escola
Não a infância dos livros escolares da infância
Mas a relva possível aqui entre automóveis
E o passe social perdido nos meus bolsos.
Numa grande chuva de folhas  / Perfilavam-se as árvores
Eram os sentimentais sumários / Dum exercício escrito por fazer.
A relva em frente continuava a crescer.
Agora no mar doméstico dum grande jardim
Podia conhecer um diário talvez de bordo
(A navegação proibida numa onda de receios
Instalada em relatórios e em batas brancas)
Numa grande chuva de sons  / Perfilava-se uma melodia
Eram nuvens caseiras a dispersar  / Num céu boquiaberto pelo vento.
A relva em frente continuava a crescer.
Não havia já sorrisos à cautela nem o medo
Havia um profundo olhar uma quase alegria
Outra árvore (isto pensará quem não souber)
Aqui está pronta a dar ainda mais palavras.

José do Carmo Francisco

(Fotografia de autor desconhecido)