quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Balada para Luciana


Balada para Luciana

Luciana num balcão
Debruçada no sorriso
Empresta calor da mão
Quando café é preciso

No combate à tristeza
Derramada pela rua
No centro duma mesa
Seu sorriso continua

Não havia o adoçante
Adoça com seu olhar
Simpatia no instante
Faz do balcão o altar

Onde a nova liturgia
Como se numa oração
Celebrando a alegria
Do encontro no balcão

À esquerda é o Chiado
E o Castelo é à direita
O sol bate no telhado
A tarde ficou perfeita

Quando olha para o Rio
Não repara na distância
No nevoeiro mais frio
Recorda a sua infância

Em baixo as duas linhas
Além é a Sé de Lisboa
Não há mesas sozinhas
Quando o café se povoa

De gente que não repara
Na pressa, no seu bulício
Luciana então já separa
As tarefas do seu ofício

Tomou o sabor profundo
Do café que nos vendia
Trazendo do seu Mundo
Um grão de pura alegria

José do Carmo Francisco

(O óleo é de Krzysztof Rzezniczek)
  

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Balada da Serra de São Mamede


Balada da Serra de São Mamede

Ai que prazer estar pedido / Na Serra de São Mamede
Onde há sempre uma ribeira / Que só de olhar mata a sede
Onde há sempre um caminho / À espera de ser andado
E onde o branco das casas / Faz contraste no telhado
Ai que prazer estar perdido / Na Serra de São Mamede
Onde o relógio não corre / E pára se a gente pede
Onde o tempo dura mais / E o olhar tem amplitude
Onde o andar não desgasta  / E o cansaço é mais saúde.
Ai que prazer estar perdido / Na Serra de São Mamede
Onde se pescam os sonhos / Sem ser preciso usar rede
Onde o sol mais se demora / Onde a luz chega mais cedo
Mas o peso do silêncio / Não se transforma em medo
Ai que prazer estar perdido / Entre Esperança e Nave Fria
Surgirá sempre um olhar / Capaz de dar luz de dia
A quem se perdeu na noite / Que envolveu seu coração
Mas se encontrou de novo / A caminho de São Julião.
Ai que prazer estar perdido / Entre Caia e os Mosteiros
Porque os fumos das chaminés / São os sinais mais certeiros
Duma vida mais junto à terra/ Mancha verde a multiplicar
Entre o apelo do Mundo / E o meu desejo de ficar
Ai que prazer estar perdido / Entre os Besteiros e a Parra
Para encontrar uma capela / Com o som de uma guitarra
Ai Serra de São Mamede / Grande desgosto que eu tenho
Não ser eu das tuas aldeias / Não ser também eu serrenho.

José do Carmo Francisco

(in Suplemento Fanal nº 16 de O distrito de Portalegre)

(fotografia de autor desconhecido)

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Balada do Bairro das Colónias


Balada do Bairro das Colónias

No terraço das insónias
Na frescura do Verão
É no Bairro das Colónias
Que vejo o meu coração
Minha filha Ana Maria
Nasceu nesta avenida
Foi à hora do meio-dia
Esteve em perigo de vida
Cidade em bilhete-postal
Avião passa dois minutos
Em dias de temporal
Ou nos dias mais enxutos
No ruído da ambulância
Nos neóns da claridade
Se percebe a distância
Das artérias da cidade
Pois tal como uma pessoa
A cidade fica cansada
Se o sol se põe em Lisboa
Sem Lisboa dar por nada
Sinfonia dos telhados
Escada de incêndio a cores
Nascem músicas de fados
No escuro dos corredores
No perfil que se desenha
Entre terraço e janela 
Já Lisboa é uma senha
Para entrar numa tela
Foi pintada ao natural
Quando amor é vício
Transporte sentimental
Parado entre o bulício

José do Carmo Francisco 
       
(fotografia de autor desconhecido)