domingo, 25 de novembro de 2018

Poema periférico para Fernando Alves



Poema periférico para Fernando Alves

Estamos de novo na Pátria da Chuva
A ouvir como ela cai devagar no pinhal
Sobre a cama que a caruma faz na Terra.
Tal como na Idade Média os rios dividem
Os concelhos e os homens bons de cada vila
Com o pendão e a caldeira às ordens do rei.
Ao longe há homens a recolher as pontes
De plástico que ligam as margens no Verão
Com Proença-a-Nova e Sertã a poucos metros.
Há um firme adeus ao tempo das férias anuais
Uma recente solidão que se instala neste vale
Onde a Ribeira da Isna corre cada vez mais só.
Por outro lado este Lagar de Azeite vai abrir
Com gente de longe e carradas de azeitona
À procura do resultado feliz no prato branco.
Quando a noite chega entre lume e chaminés
Os homens saem da adega com as concertinas
A encher de som a rua principal da nossa aldeia.

José do Carmo Francisco   

(Fotografia de autor desconhecido)

sábado, 17 de novembro de 2018

Poema periférico para Cristiano Ronaldo



Poema periférico para Cristiano Ronaldo

Esse domingo em mil nove nove nove
No dia 17 de Outubro em Pina Manique
Não sairá da minha memória de afectos.
Meu avô, minha mãe, meu primo-afilhado
Foram fonte de angústia dos telefonemas
Nos domingos de manhã para morrer.
No teu caso tiveste um árbitro atento
Um enfermeiro competente e dedicado
Um delegado ao jogo sempre a teu lado.
O campo era pelado, estava muito frio
E ao mesmo tempo uma chuva miúda
Criou as condições para a tua taquicardia.
Se recebes um troféu lembro essa manhã
Na qual um grupo de pessoas a teu lado
Se recusou a aceitar a photo finish da morte.
À mesma hora a tua mãe sem nada saber
Abria um pão para colocar uma banana
Manjar de quem era em 99 ainda pobre.

José do Carmo Francisco        

(Fotografia de Vinicius Carriço)

sexta-feira, 9 de novembro de 2018

Poema periférico para José Carlos Almeida



Poema periférico para José Carlos Almeida

Todos os domingos de manhã são dias
De meu luto e sofrimento ao telefone
Pelo som do grito de quem dava a notícia.
Tinhas ido comprar os jornais desportivos
A saber novidades do nosso primo jogador
Que fora selecionado para as Esperanças.
Sem esperança ficámos nós num dia de Maio
Do ano de mil novecentos e oitenta e nove
A dez anos da morte do nosso comum avô.
Há na nossa vida uma álgebra tenebrosa
Com datas marcadas para todas tragédias
Todas assim sem saber como nem porquê.
De nada vale alguém circular pela direita
Quando o homicida corta todas as curvas
E se apresenta na curva pela sua esquerda.
O telefone é o mesmo e eu não mudei nada
Sei que todos estes domingos de manhã
O telefone toca para dizer da tua morte.

José do Carmo Francisco        

(Fotografia de Autor Desconhecido)

sexta-feira, 2 de novembro de 2018

Filipe (1984)



Filipe (1984)

«Habitamos um corpo em perigo»
diria o João Miguel Fernandes Jorge
que tu não sabes sequer quem é
preso ainda à tua vida de criança
os bolsos cheios de miniaturas
as cantigas do colégio na tua voz.
E contudo poderias ter ficado ali
como já em São Bernardino no Verão
quando vias o mar para ti sem fim.
Esse mesmo mar que com os castelos
forma um dos campos ricos do teu vocabulário
que te enche a voz quando vês água
e chamas mar pequeno às minúsculas lagoas
breves como a chuva neste mês de Maio
breves como o grito de quem te viu
quase a ficar debaixo de um automóvel
em Algés – a fugir da pastelaria.
E esse automóvel não era como tu 
uma miniatura - era real e estava ali
como o mar e os castelos que quase perdeste.

José do Carmo Francisco  

(Fotografia de Autor Desconhecido)