quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Boa tarde


Boa tarde

O ladrão não respondeu ao desejo de boa tarde
Do morador que com ele se cruzou na escada.
Colou-se ainda mais à parede, desceu depressa
E sumiu-se veloz no fim da Travessa sem gente.
Boa tarde era para ele uma mochila tão repleta
De relógios, ouro, prata, jóias e casquinhas
Sem esquecer o meu computador portátil
Com poemas, crónicas e imagens desde 2002.
A pressa do ladrão era a carrinha à espera
Uns chegam de Espanha e os outros de Itália.
Das obras do telhado o compatriota avisou
E no domingo à tarde se rasgou o aro da porta.
Quarenta e cinco anos de vida na mochila
Valor sentimental escapa às contas do Banco.
Este postal da Polícia até já está impresso
E avisa não se poder avançar no assunto.
No domingo à tarde a vida fica suspensa
Gavetas pelo chão e móveis arrombados.
Alguém que não conheço violou o silêncio
Do espaço onde meus filhos gatinharam.
O ladrão não respondeu ao desejo de boa tarde  
Tinha pressa em chegar a Madrid ou a Milão
Para derreter o ouro roubado na minha casa
Em barra com número de série e contraste legal.

José do Carmo Francisco  

(O óleo é de Michele d' Avenia)

domingo, 7 de dezembro de 2014

Rosa Luz


Rosa Luz

Há uma rosa a arder. Já não é lume
Apenas foco de luz sem combustão
No fósforo mal aceso deste ciúme
Só sobejaram os sinais da tua mão

A tua boca foi o botão anunciado
Os teus dedos o que ficou da haste
Procurei a tua voz em todo o lado
Mas foi na rosa ardida que ficaste


José do Carmo Francisco 

(O óleo é de Raymond Leech)

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Memória justificativa do livro «The Busby Yers»


Memória justificativa do livro «The Busby Years»

(a Francisco José Viegas, autor de «Morte no Estádio»)

A morte será também um fuso horário
Um meridiano de silêncio e de escuridão
Entre a água do rio e a madeira do bosque
Todos trazemos uma bagagem de mortos
Este livro evoca os jogadores do M. United
Perdidos num desastre aéreo em Munique

Há a nossa memória de Pavão nas Antas
No jogo treze e no minuto treze a morrer
Em Coimbra, Néne perdido num desastre
Quando o mini não desfez a curva grande
Em Lisboa Toni Kakinda a forte esperança
Da equipa de Caneira e de Simão Sabrosa
Antes Pepe em Belém de vinte e três anos
Com a mãe a trocar bicarbonato por potassa

Nunca se fala nos jornalistas também mortos
Os enviados especiais a esse lugar de morte
De onde já não é possível escrever notícias
Morreram todos assim no seu fato completo
Caneta de tinta permanente e bloco de notas
Cachimbo e todos eles de chapéu à Borsalino
Mas tirando as suas famílias e alguns colegas 
Pouca gente recordará hoje os seus nomes

Comprei o livro numa livraria em frente
Ao portão do Observatório Astronómico
A separar os dois lugares há um relvado
Uma metáfora imediata de todos os altares
Na liturgia dum jogo afinal mais que jogo
A memória activa, o espaço de sentimento
Lugar verde onde ficaram todos os sonhos
Adormecidos devagar pela diária rotina

A vida é na verdade a preto e branco
Por isso estas fotografias são verdade
A cor é apenas a mentira consentida
Só há estas duas cores nas lágrimas
O mesmo para o medo, para a morte
Escusamos de procurar o colorido
A vida é na verdade a preto e branco
E ficou nos velhos álbuns de família

Passam por mim japoneses de uniforme
Jovens alunos em passeio de finalistas
Não pensam na morte sequer Hiroshima
Não reparam no livro que levo na mão 
Querem apenas viver e têm a sua pressa
A morte será também um fuso horário

José do Carmo Francisco  

(Fotografia de Autor Desconhecido)
        

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Canção breve para dois retratos


Canção breve para dois retratos

Dois retratos tipo passe na cabina
Do centro comercial movimentado
Entre o passeio na quebra da rotina
E o som das gentes no café ao lado

Tomás mais habituado a fotografias
Mas Lucas olha de surpresa a cidade
Cinco anos são mil e oitocentos dias
Quatro meses são apenas novidade

Lucas no seu olhar confia e acredita
No Mundo à sua volta na praceta
A mãe que lhe dá ternura é bonita
O pai vê o retrato quando projecta

Um Mundo novo sai do estirador
Onde Lucas vai ter o seu lugar
Tomás é pai pequeno, protector
Na praceta onde o verbo é amar

José do Carmo Francisco    

(O óleo é de  Kris Lewis)

sábado, 8 de novembro de 2014

A princesa do mouchão (da Póvoa)


A princesa do mouchão (da Póvoa)

A princesa do mouchão / Menina no meio da terra
Tem nos olhos a canção / Coração em pé de guerra.
Da água toda a frescura / Mata a sede aos animais
Em manadas na lonjura / Do lado oposto do cais.
Papoilas são raparigas / Na voz da terra a cantar
Água e terra são amigas / Só a água vai para o mar.
Olhas a terra trazida / Pelas cheias deste rio
Milhões de dias de vida / Entre o calor e o frio.
Memória é pensamento/ Auto-estrada é novidade
Os baldinhos de cimento / Passam sem velocidade.
Sobre os carros da gente / Numa nuvem de poeira
Vem o vento de frente / Mistura o pó da caldeira.
Neste ar em circulação / Onde os nosso pulmões
A olhar para o mouchão / Fazem dos olhos canções.

José do Carmo Francisco

(O óleo é de Joan Beltran Boffil)
  

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Balada para Luciana


Balada para Luciana

Luciana num balcão
Debruçada no sorriso
Empresta calor da mão
Quando café é preciso

No combate à tristeza
Derramada pela rua
No centro duma mesa
Seu sorriso continua

Não havia o adoçante
Adoça com seu olhar
Simpatia no instante
Faz do balcão o altar

Onde a nova liturgia
Como se numa oração
Celebrando a alegria
Do encontro no balcão

À esquerda é o Chiado
E o Castelo é à direita
O sol bate no telhado
A tarde ficou perfeita

Quando olha para o Rio
Não repara na distância
No nevoeiro mais frio
Recorda a sua infância

Em baixo as duas linhas
Além é a Sé de Lisboa
Não há mesas sozinhas
Quando o café se povoa

De gente que não repara
Na pressa, no seu bulício
Luciana então já separa
As tarefas do seu ofício

Tomou o sabor profundo
Do café que nos vendia
Trazendo do seu Mundo
Um grão de pura alegria

José do Carmo Francisco

(O óleo é de Krzysztof Rzezniczek)
  

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Balada da Serra de São Mamede


Balada da Serra de São Mamede

Ai que prazer estar pedido / Na Serra de São Mamede
Onde há sempre uma ribeira / Que só de olhar mata a sede
Onde há sempre um caminho / À espera de ser andado
E onde o branco das casas / Faz contraste no telhado
Ai que prazer estar perdido / Na Serra de São Mamede
Onde o relógio não corre / E pára se a gente pede
Onde o tempo dura mais / E o olhar tem amplitude
Onde o andar não desgasta  / E o cansaço é mais saúde.
Ai que prazer estar perdido / Na Serra de São Mamede
Onde se pescam os sonhos / Sem ser preciso usar rede
Onde o sol mais se demora / Onde a luz chega mais cedo
Mas o peso do silêncio / Não se transforma em medo
Ai que prazer estar perdido / Entre Esperança e Nave Fria
Surgirá sempre um olhar / Capaz de dar luz de dia
A quem se perdeu na noite / Que envolveu seu coração
Mas se encontrou de novo / A caminho de São Julião.
Ai que prazer estar perdido / Entre Caia e os Mosteiros
Porque os fumos das chaminés / São os sinais mais certeiros
Duma vida mais junto à terra/ Mancha verde a multiplicar
Entre o apelo do Mundo / E o meu desejo de ficar
Ai que prazer estar perdido / Entre os Besteiros e a Parra
Para encontrar uma capela / Com o som de uma guitarra
Ai Serra de São Mamede / Grande desgosto que eu tenho
Não ser eu das tuas aldeias / Não ser também eu serrenho.

José do Carmo Francisco

(in Suplemento Fanal nº 16 de O distrito de Portalegre)

(fotografia de autor desconhecido)

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Balada do Bairro das Colónias


Balada do Bairro das Colónias

No terraço das insónias
Na frescura do Verão
É no Bairro das Colónias
Que vejo o meu coração
Minha filha Ana Maria
Nasceu nesta avenida
Foi à hora do meio-dia
Esteve em perigo de vida
Cidade em bilhete-postal
Avião passa dois minutos
Em dias de temporal
Ou nos dias mais enxutos
No ruído da ambulância
Nos neóns da claridade
Se percebe a distância
Das artérias da cidade
Pois tal como uma pessoa
A cidade fica cansada
Se o sol se põe em Lisboa
Sem Lisboa dar por nada
Sinfonia dos telhados
Escada de incêndio a cores
Nascem músicas de fados
No escuro dos corredores
No perfil que se desenha
Entre terraço e janela 
Já Lisboa é uma senha
Para entrar numa tela
Foi pintada ao natural
Quando amor é vício
Transporte sentimental
Parado entre o bulício

José do Carmo Francisco 
       
(fotografia de autor desconhecido)

domingo, 28 de setembro de 2014

Balada dos telhados de Lisboa


Balada dos telhados de Lisboa

Telhados da minha cidade
Com as gaivotas a gritar
Avisos de tempestade
Lá para dentro do mar.
Que o mar à nossa frente
É mais a figura de estilo
Mar da palha e da gente
Só no Verão está tranquilo.
Rompe defesas no Inverno
Traz a palha dos animais
Para o estuário moderno
Que vive de outros sinais.
Que vive de outras medidas
Sem fragatas nem faluas
As pontes de ferro erguidas
Enchem de carros as ruas.
E digo adeus aos telhados
Da cidade debruçada
Sobre vapores lembrados
Numa memória de nada.

José do Carmo Francisco 
  
 (A fotografia é de Luís Eme)

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Canção breve para «Canção para Carlos Paredes» de Luísa Amaro


Canção breve para «Canção para Carlos Paredes» de Luísa Amaro

Vem a melodia precisa
Em escala de Primavera
Que surpresa de Luísa
Ouvido que não espera

Quando era só companhia
Da guitarra grande a voar
Apenas olhava e ouvia
Na vertical do meu lugar

De «Devaneios flutuantes»
Ao «Jogral» já encantado
Juntando mundos distantes
Num som puro, imaculado

São raízes, são razões
Dum rio que vem dizer
A letra destas canções
Na pronúncia de mulher

Com Luísa de surpresa
Som numa nave central
A guitarra portuguesa
Faz da igreja a catedral

Tal como numa oração
Junta mundos dispersos
Para fazer uma canção
Já não precisa de versos

Basta-lhe ritmo, vertigem
Duma escala musical
Para chegar à origem
Do som que é Portugal

José do Carmo Francisco 

(Fotografia de autor desconhecido)   


terça-feira, 2 de setembro de 2014

Poema sem direcção nem código postal (sobre foto de Valter Vinagre)


Poema sem direcção nem código postal (sobre foto de Valter Vinagre)

A rua onde te encontrei de raspão
A sair e a entrar de um autocarro
Foi rio de lavadeiras de sabão e pedra
E canções de galeras velozes na estrada.
Hoje estou arrependido de ter dito adeus
Tão depressa entre as duas portas de fole
Sem tempo para pedir a tua direcção actual
E o código postal respectivo e obrigatório.
A vida é um mistério, nunca um negócio
Quarenta e oito anos depois fiquei calado
Quando deveria falar de moradas e de ruas
E dar-te ao mesmo tempo o meu telemóvel.  
A estrada onde foi outrora uma ribeira limpa
Com lavadeiras a cantar nas manhãs de sol
É o mesmo lugar cento e quarenta anos depois
Quando o nome de Sete Rios se justificava.
Perdi teu nome todo na porta do autocarro
O mesmo nome que como o meu num repique
Se seguiu a um baptizado na mesma pia sagrada
Da igreja paroquial da fotografia a preto e branco.

José do Carmo Francisco 

(Fotografia de Valter Vinagre)    

sábado, 30 de agosto de 2014

Primeira Balada para Rosarinho


Primeira balada para Rosarinho

Num olhar que não divide
Antes aumenta e amplia
Num quarto para Carnide
Surge uma nova alegria.
Num tempo hostil e duro
De agressões à esperança
Numa aposta ao futuro
Nasce uma nova criança.
De seu nome Rosarinho
Tem uma luz de quimera
Ao fazer do seu caminho
Anos só com Primavera.
Nem chuva de vendavais
Nem o forno do Verão
Nem sombras Outonais
Dentro do seu coração.

José do Carmo Francisco      
  
(O óleo é de Linda McCord)

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Mas toda a gente é pessoa (de um título roubado a António Rego)


Mas toda a gente é pessoa (de um título roubado a António Rego)

Morrem meninos em Gaza / Nasce o menino em Lisboa
Da maré cheia à maré vasa / Mas toda a gente é pessoa.
No mosteiro de Alcobaça  / E na morte do fundador
Metade chora a desgraça  / Metade canta o seu amor.   
São Bernardo em agonia   / Na cama faz a divisão
Os tambores da folia  / Ao lado da prostração.
Na Palestina em guerra  /Em vez de descer da cruz
Um pai desce para a terra  / Porque seu filho é Jesus.
Na Pietá tão diferente  / É um pai em vez da mãe
Chora um sonho de gente  / A partir de hoje é ninguém. 
Pois naquela sepultura  / Além do corpo enterrado
É o sonho duma criatura  / Que nunca vai ser sonhado.
Pietá de todos os dias / Na folha do calendário
O David contra o Golias  / É o Mundo ao contrário.
Tal o gueto da Polónia / Tal as câmaras de gás
Faixa de Gaza é insónia  / Mundo sem luz nem paz.

José do Carmo Francisco 

(O óleo é de Justine Brax)

terça-feira, 12 de agosto de 2014

Campo Grande


Campo Grande

Campo Grande porque só nele cabe a tua presença
Trazida para a cidade como se fosse na campina
Caminhas tão devagar e ninguém nota a diferença
Entre o teu olhar de mulher e a tua voz de menina

Desces as escadas com o ritmo de uma camponesa
Trazendo não uma mala mas um avental de maçãs
Que cheiram no centro deste encontro e da mesa
Ao grande calor das tardes e à frescura das manhãs

Campo Grande porque só nele cabe a tua aparição
Que vem trazer à nossa mesa pedaços de ternura
Enquanto o meu tempo voa nos campos da emoção
E a sede é já não encontrar a água que se procura

Se por água quisermos nós resumir esta felicidade
A tão brevíssima matéria por ti apenas enunciada
Tu trazes a luz do campo ao cinzento da cidade
Porque crias no fim da tarde a raiz da madrugada

José do Carmo Francisco

  
(Fotografia de autor desconhecido)

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Caminho (Miguel Torga)


Caminho (Miguel Torga)

Sobre tudo o mais
Um cântico erguido
Das regras gerais
Sempre distinguido
Sem palavras iguais
Nem a fazer ruído
Deixou os sinais
Para ser seguido

Sobre tudo o mais
O amor à terra
Vinhedos, pinhais
A paz e a guerra
Searas e olivais
A neve na serra
Rebanhos, animais
O que a vida encerra

Sobre tudo o mais
Um cântico erguido

José do Carmo Francisco    

(Fotografia de autor desconhecido)

domingo, 20 de julho de 2014

Canção da pequena camponesa


 
Canção da pequena camponesa
 
Ó pequena camponesa / Nos teus olhos de humidade
É que eu percebo a beleza / Que tu trazes à cidade.
Ó pequena camponesa / Desterrada do teu mundo
Na tua voz a certeza / Dum som perfeito e profundo.
Que essa voz traz ao espaço / Com tabaco e seu cheiro
Com a cana e o melaço / Onde o timbre é verdadeiro.
Onde os registos da voz / ascendem ao lugar cantado
Na rua de todos nós / O som chega a todo o lado.
Na rua da nossa cidade / Onde vens falar à janela
A tua voz é verdade / Na vida e não na novela.
Que a vida não é cinema / Nem a fala é literatura
Tudo entra num esquema / Só a tua voz perdura.
 
José do Carmo Francisco   

(gravura de Alberto de Sousa)

domingo, 13 de julho de 2014

Via verde na estrada de Benfica


Via verde na estrada de Benfica

Quem sai do hospital só pensa na morte
E depois da filha em férias, nas viagens
As dores abdominais o rosto da má sorte
De não poder sorrir com ela nas portagens.
A produção de saquetas foi descontinuada
O medicamento era assim como a cecrisina
Este é hoje como um copo de água salgada
De doze em doze horas o tempo da rotina.
Quem sai do hospital só pensa na morte
Não lhe convinha morrer se fosse agora
Hoje a filha em férias segue para o Norte
Com a via verde não vai parar a toda a hora.
Vejo uma carroça num pátio de moradia
Parece ficou esquecida pela marcha popular
Há setenta anos os burros desta freguesia
Levavam na marcha gente a sorrir e a cantar

José do Carmo Francisco       

sábado, 5 de julho de 2014

Breve canção para «A balada das baleias»


Breve canção para «A balada das baleias»

Tantas bocas à espera
Da riqueza da baleia
Na lancha da Primavera
Não tememos maré-cheia

Os velhos lobos-do-mar
Sentados na nostalgia
Já nada podem pescar
Quando chega o fim do dia

Botes, lanchas e vapores
Na Vigia da Queimada
As vozes dos trancadores
São tempestade poupada

Quando o mar é labirinto
Quando saudade é memória
Tudo aquilo que eu sinto
Faz nascer a nova história

Aqui no centro do Mundo
Casa dos botes, meu lar
Sentimento mais profundo
Tem a fundura do mar

Com chapéu ou em cabelo
Há nestes homens cansados
As muralhas dum castelo
Batido por todos os lados   

Mulheres são como sereias
Lanchas com nome escrito
Fazem as horas mais cheias
Quando se pesca em conflito

As Filarmónicas perdidas
Chegam o som junto ao cais
No mapa das nossas vidas
Há baleias de nunca mais

José do Carmo Francisco

(nota: A Balada das Baleias é um livro de Sérgio Ávila, Ermelindo Ávila e Sidónio Bettencourt, da Ver Açor Editores)    

(Ilustração de autor desconhecido)

quinta-feira, 26 de junho de 2014

Café contigo


Café contigo

Misturas no café os teus sabores
A campo, a celeiro e a pomares 
Na verdade, vás para onde fores
Tudo se modifica ao chegares.

Dispensas o açúcar que te dão
E fica abandonado sobre a mesa
Tens doses de doçura em tua mão
E nos olhos a espuma da beleza.

Mas não dispensas a colher pequena
Capaz de equilibrar a mistura
Entre a força africana tão serena
E a luz tão doce da Estremadura.

Misturas no café o teu sorriso
Que trazes na pele do teu dia
Beber café contigo é o paraíso
É estar na capital da alegria.


José do Carmo Francisco    

(nota: este poema foi musicado por José Cid e faz parte de uma das suas antologias editadas em cd)

 (O óleo é de Boyko Kolev)

sábado, 7 de junho de 2014

Retrato breve de Filipa em Vila Franca


Retrato breve de Filipa em Vila Franca

Flor da Lezíria, menina
Em Vila Franca, cidade
Descobre a cada esquina
O mapa de uma saudade
Passam alunos da Escola
Que ficam na fotografia
Todos usam camisola
A manhã está muito fria
Fecharam as tronqueiras
Já se sente uma emoção
As paixões verdadeiras
Não precisam explicação 
Entre gaibéus e avieiros
Passa a memória sentida
Do Tejo a encher esteiros
Com água que traz a vida
Os barcos cheios de areia
Chegam de manhã ao cais
Hoje o Gil Conde passeia
Nas águas do nunca mais
E no comboio que passa
Tão veloz para o Oriente
Há memória da barcaça
Com automóveis e gente
Ao lado fica um jardim
O ringue de patinagem
Os jogos não tinham fim
As palmas eram coragem
Olha de longe o Mouchão
Onde só olhar é preciso
E a terra vem dar razão
A quem busca o paraíso
Água, fogo, ar e terra
Conjugados num lugar
Coração em pé de guerra
Tem um poema de cantar
Flor da Lezíria, menina
Em Vila Franca, cidade
Descobre a cada esquina
O mapa de uma saudade

José do Carmo Francisco


(Fotografia de autor desconhecido)