sábado, 23 de dezembro de 2023

Novo poema nº 41 para Ana Isabel


Novo poema nº 41 para Ana Isabel

Por causa da pandemia o meu livro No tempo de Jesus não havia fotografias não chegou a ser entregue à professora Helena na Escola do Telhal e foi pena pois até pedi à editora uma capa especial para o livro ser manuseado por crianças.

Em teoria e na minha expectativa, poderia ter sido um encontro feliz entre um pequeno livro de cinquenta crónicas, a professora e os colegas do meu neto Pedro.

Porque tudo na vida é um mistério e nos cruzamentos do trânsito do acaso foram outras as prioridades no mês de Março de 2020.

José do Carmo Francisco 

(Óleo de James Sand)


quarta-feira, 22 de novembro de 2023

Novo poema nº 40 para Ana Isabel


Novo poema nº 40 para Ana Isabel

Há sonhos que se perdem dentro das ruas escuras e no barulho do mar; talvez sejam mesmo pesadelos porque trazem no seu bojo uma angústia pesada.

A cidade tem a dimensão da narrativa, desenha-se como uma novela com as suas figuras, os seus interesses e as suas expectativas. 

Porque tudo se revela quando o vento empurra a neblina para dentro do mar e os telhados começam a brilhar com o sol que se demora e faz daquela superfície uma espécie de espelho.

José do Carmo Francisco      

(Fotografia de Luís Eme - Sesimbra) 


terça-feira, 31 de outubro de 2023

Novo poema nº 39 para Ana Isabel

 

Novo poema nº 39 para Ana Isabel

Ao ver o jurado do Prémio Literário a chá e torradas no melhor restaurante da cidade, o vereador da cultura prometeu-lhe logo assistência médica, dormida num bom hotel e até o pagamento do funeral.

Outra vereadora da cultura afirmou não fazer ideia de quem é Júlio César Machado, provando dirigir aquela área como podia estar nos Resíduos Sólidos, Espaços Verdes, Turismo ou Desporto e Acção Escolar.

Porque no sistema cultural perverso que é o nosso o que conta é encaixar os candidatos; não interessa onde nem como porque o importante é ficarem colocados.  

José do Carmo Francisco  

(Fotografia de Luís Eme) 

     

domingo, 15 de outubro de 2023

Novo poema nº 38 para Ana Isabel

 

Novo poema nº 38 para Ana Isabel

Caçar e cassar são duas palavras homófonas mas o seu sentido é muito diferente; a primeira usa-se para animais perseguidos, a segunda trata de procurações notariais.

Descubro em Negócio de pomba, novela de Vitorino Nemésio, as palavras «caçava a procuração» quando se devia ter escrito «cassava» no sentido de «anular ou fazer perder a eficácia».

Porque nem sempre o escritor ou o editor reparam nos chamados por toda a gente pequenos pormenores embora seja sempre neles que se localizam as grandes diferenças.  

José do Carmo Francisco   

(Fotografia de autor desconhecido)

 

segunda-feira, 18 de setembro de 2023

Novo poema nº 37 para Ana Isabel


Novo poema nº 37 para Ana Isabel

Há uma sombra entre a joeira e o corpo de quem a trabalha para fazer subir a palha e o feijão à procura do sopro de brisa capaz de separar o que o malho na eira não conseguiu.

Este mágico ritual que se repetiu de geração em geração, corre o risco de, em pouco tempo, não ter continuidade nem na família, nem na aldeia, nem no Mundo.

Porque são outros os caminhos e os processos, os tempos e as expectativas; tal como o trigo cujos silos são hoje ninhos de microempresas, o feijão chega em latas às prateleiras dos supermercados. 

José do Carmo Francisco

(Óleo de Antal Neogrady)


quarta-feira, 23 de agosto de 2023

Novo poema nº 36 para Ana Isabel

 


Novo poema nº 36 para Ana Isabel

Um dia, na Associação Portuguesa de Escritores, Óscar Lopes ouviu uma jovem autora falar dum get together com escritores estrangeiros em visita a Portugal. Poderia e deveria ter dito encontro ou convívio. 

Hoje li numa lavandaria a palavra insólita DORR em vez de DOOR num dos modernaços cartazes bilingues com instruções aos clientes da loja. E mesmo que exista não faz sentido aqui.

Porque se trata de um outro nível; já não o uso indevido de uma expressão inglesa mas o erro crasso de palavra que presumo não existir e não tem razão para integrar o bilingue cartaz.

 José do Carmo Francisco

 (Fotografia de Luís Eme)


quinta-feira, 20 de julho de 2023

Paolo Rossi com a camisola 20 azul


Paolo Rossi com a camisola 20 azul

 Falo de factos – não de imagens. /As imagens falam por si.

Em Pontevedra não podia descansar/nos intervalos da neblina e dos boatos./Por tudo e por nada entrevistas, obstáculos,/intrigas por causa de um jogo feio em Braga./Depois o medo perante a Polónia em Vigo/e um nome que toda a gente repetia – Boniek.

N´Kono e Quiroga sem golos meus/Mlynarczyk também, nos três empates de Vigo./Veio uma espécie de chuva triste atrás de mim/no caminho até Barcelona, do outro lado.

Tardelli e Cabrini marcaram por nós/Com Gentile a não dar espaços a Maradona./Bearzot falava comigo num cenário de flores/queria esquecer tantos jogos sem marcar/e havia o silêncio decretado pelo capitão Zoff/mas dentro de mim um receio crescia, grande:/não ser capaz de responder com factos ao medo.

E só contra o Brasil me libertei das sombras/para iluminar três vezes o azul da camisola. /No Estádio do Barcelona de novo a Polónia/e dois golos meus, um em cada parte do jogo./Finalmente no Santiago Barnabéu a final/com a Alemanha Ocidental, como se dizia então/Os golos todos na segunda parte do jogo/a partir do mágico minuto cinquenta e sete.

Foi nos seis golos que desfiz a chuva de Vigo/os quase dois anos sem jogos de competição,/a falta de confiança e a cortina de silêncio/à volta dos cinco jogo sem marcar/incluindo aqui também o jogo de Braga.

Falo de factos – não de imagens. /As imagens falam por si.  

 José do Carmo Francisco

 (Fotografia de autor desconhecido)


sexta-feira, 7 de julho de 2023

Novo poema nº 35 para Ana Isabel


Novo poema nº 35 para Ana Isabel

«Inês Maria, Bruno Manuel, Mafalda Sofia, Luís Victor» - só as mães chamam assim as crianças nos toldos da praia quando os maridos vão dar uma volta e se demoram na esplanada.

Há uma homologia quase total entre o olhar de uma crónica de Alexandre O´Neill e a fala de Clotilde Armenta num livro de Gabriel García Márquez - «Nesse dia percebi como nós, mulheres, estamos sozinhas neste mundo.»

Porque tudo isto é verdade e na grande solidão exterior do Mundo as mulheres carregam o peso da sua segunda solidão; uma certa solidão interior. 

 José do Carmo Francisco

(Óleo de Elioth Gruner)


segunda-feira, 19 de junho de 2023

Novo poema nº 34 para Ana Isabel

 

Novo poema nº 34 para Ana Isabel

«Há mais caixas! Há mais caixas!» repetia o azedo marido da mulher com evidentes dificuldades cognitivas e de locomoção frente à operadora de caixa na bicha das compras da grande superfície.

Ainda bem para todos estava atrás do casal azedo uma senhora míope que não levava à prática as normas de distanciamento do Ministério da Saúde mas a ela a mulher azeda e o marido nada diziam.

Porque minutos depois o incidente estava esquecido, depois do verde, código, verde do pagamento por cartão multibanco; só o cocó do cão no passeio em frente lembrava o valor da vida do casal.   

José do Carmo Francisco  

(Fotografia de Luís Eme)

 

segunda-feira, 5 de junho de 2023

Novo poema nº 33 para Ana Isabel


Novo poema nº 33 para Ana Isabel

«No dia em que o rei fez anos» de José Cid era sempre cantado pelo instruendo Lousada nas patrulhas nocturnas da Escola Prática entre A-da-Beja e a Alameda das Linhas de Torres.

Cinquenta anos depois a Sociedade Filarmónica Catarinense recorda na Caldas da Rainha essa mesma melodia num arranjo para seus naipes de instrumentos e para a juventude dos executantes que ainda não eram nascidos nesse tempo.

Porque a canção não deixa de ser a mesma; diferente é apenas a massa sonora levantada da terra entre o vento a sacudir a partitura na estante e a emoção de sentir de novo tudo o que o tempo separou.

José do Carmo Francisco  

(Fotografia de autor desconhecido)


terça-feira, 16 de maio de 2023

Novo poema nº 32 para Ana Isabel


Novo poema nº 32 para Ana Isabel

Segundo Walter Benjamin, autor citado num livro de Carlos Lobão, «uma das principais responsabilidades do Homem é revelar o esquecido».

Além de tudo o mais, um poema é também um esforço para mostrar o passado e adivinhar no futuro um ou vários caminhos, entre o possível e o provável.

Porque os calceteiros lisboetas de Cesário Verde ou os pescadores poveiros de António Nobre perderam o nome nas emboscadas do esquecimento mas permanecem nos poemas até hoje. 

José do Carmo Francisco

(Fotografia de Stanley Kubrick)


domingo, 23 de abril de 2023

Novo poema nº 31 para Ana Isabel

 

Novo poema nº 31 para Ana Isabel

A selva do anacoreta é o ponto mais radical da solidão e a juventude da mulher o lugar ambicionado do encontro; de um lado a tristeza, do lado oposto a alegria, de um lado o peso da escuridão, do lado oposto a força da luz.

São dois caminhos, dois mundos, duas maneiras de ser no tempo e no espaço: o poeta oscila o seu discurso entre o sofrimento e o júbilo porque parte do vazio mas não desiste do amor.

Porque o fascínio da vida está nessa tentativa, nesse esforço, nesse olhar que não desiste da procura de uma outra luz por oposição ao diário cinzento do quotidiano. 

José do Carmo Francisco

(Fotografia de Luís Eme - Almada)

 

sexta-feira, 7 de abril de 2023

Poema dos sete anos do António


Poema dos sete anos do António
 
Fazer os anos em Paris
Não é qualquer pessoa
Votos de um dia feliz
Longe do sol de Lisboa.
Nasceu em dia molhado
A ternura tem humidade
Vai com ele a todo o lado
No campo ou na cidade.
O tempo passou depressa
E o bebé já é menino
Que tenha voz e cabeça
A escolher o seu destino.
E sempre ao longo da vida
Não saia deste valor
Amar tudo sem medida
Única medida do amor.
 
José do Carmo Francisco

(Fotografia de autor desconhecido)

quarta-feira, 22 de março de 2023

Novo poema nº 30 para Ana Isabel


Novo poema nº 30 para Ana Isabel

O Itália-Inglaterra em Wembley foi um jogo de sombras. Era 1982 contra 1966 mas os jogadores italianos hoje foram todos Dino Zoff a defender e Paolo Rossi a atacar.

Quando Chiesa sai do campo lesionado num lance violento sem falta assinalada nem cartão amarelo mostrado, a memória recua para 1982; os jogos de Vigo com três empates seguidos entre dúvidas, neblinas e angústias.

Porque no fim venceu o futebol e a única moeda válida foi a usada na escolha da baliza para o desempate pelos pontapés da marca de grande penalidade.     

José do Carmo Francisco

(Fotografia de autor desconhecido)  

       

terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

Novo poema nº 29 para Ana Isabel

 


Novo poema nº 29 para Ana Isabel

Atuhalpa Yupanki teve o nome civil de Hector Roberto Chavero e tocava viola com a mão esquerda porque numa das muitas prisões que sofreu os carcereiros lhe partiram os dedos da mão direita.

Mas essa palavra milonga também pode designar feitiçaria, sortilégio e bruxedo para além de mexericos, intrigas, enredos e, por fim, medicamentos.

Porque em São Tomé o nome indica um remédio do qual não resultam melhoras, talvez haja aí um fundo de verdade; a milonga não resolve nada mas ajuda a ver tudo de outra maneira.  

 José do Carmo Francisco

(Óleo de Eduardo Viana)

      

sábado, 18 de fevereiro de 2023

Novo poema nº 28 para Ana Isabel


Novo poema nº 28 para Ana Isabel

Tempo de nem livros nem chocolates, nem horizontes vários nem sabores reconhecidos por quem se demora no cadeirão à procura dum impulso para escrever.

Uma biografia pessoal de setenta anos, ao mesmo tempo íntima e pública, está sempre pronta a ser dita em voz alta que é outra das muitas maneiras de escrever.

Porque nesta oficina da escrita as ferramentas estão alinhadas junto à janela e as palavras posteriores esperam o poema em silêncio no torno da obscura arte final.

José do Carmo Francisco  

(Óleo de Carl Larsson)


segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

Novo poema nº 27 para Ana Isabel


Novo poema nº 27 para Ana Isabel

O consultório é como uma nave espacial, o médico neurologista é também o astronauta viajante com seus sapatos pretos de vento e sua bata branca de luz.

Há uma brisa do mar entre os automóveis do parque e e a sala de espera, como uma  pequena capela de devoção privada onde o altar tem ao centro um livro de 1817 do doutor Parkinson sobre esta patologia.

Porque é antiga a procura de uma cartografia entre a causa e o efeito, entre a dúvida e a certeza, entre o sintoma e a terapêutica.  

José do Carmo Francisco

(Óleo de Henri Matisse)


sexta-feira, 13 de janeiro de 2023

Novo poema nº 26 para Ana Isabel

Novo poema nº 26 para Ana Isabel

Falta hoje saber a data certa da morte civil do pássaro azul que era o nome dado ao guarda-redes voador José Pereira, de Os Belenenses, nascido em Torres Vedras em Setembro de 1931.

Passados cinquenta e cinco anos recordo este homem, ele fez parte do sonho dos Magriços mas não sabia que tudo estava preparado para a passadeira triunfal à equipa inglesa.

Porque aquela arbitragem além de influente foi decisiva no jogo da final em 1966; o começo do seu do anonimato data de 1967 na ida do Restelo para Aveiro e agora, no Cemitério da Ajuda, só falta mesmo a data.

José do Carmo Francisco

(Fotografia de autor desconhecido)