domingo, 20 de julho de 2014

Canção da pequena camponesa


 
Canção da pequena camponesa
 
Ó pequena camponesa / Nos teus olhos de humidade
É que eu percebo a beleza / Que tu trazes à cidade.
Ó pequena camponesa / Desterrada do teu mundo
Na tua voz a certeza / Dum som perfeito e profundo.
Que essa voz traz ao espaço / Com tabaco e seu cheiro
Com a cana e o melaço / Onde o timbre é verdadeiro.
Onde os registos da voz / ascendem ao lugar cantado
Na rua de todos nós / O som chega a todo o lado.
Na rua da nossa cidade / Onde vens falar à janela
A tua voz é verdade / Na vida e não na novela.
Que a vida não é cinema / Nem a fala é literatura
Tudo entra num esquema / Só a tua voz perdura.
 
José do Carmo Francisco   

(gravura de Alberto de Sousa)

domingo, 13 de julho de 2014

Via verde na estrada de Benfica


Via verde na estrada de Benfica

Quem sai do hospital só pensa na morte
E depois da filha em férias, nas viagens
As dores abdominais o rosto da má sorte
De não poder sorrir com ela nas portagens.
A produção de saquetas foi descontinuada
O medicamento era assim como a cecrisina
Este é hoje como um copo de água salgada
De doze em doze horas o tempo da rotina.
Quem sai do hospital só pensa na morte
Não lhe convinha morrer se fosse agora
Hoje a filha em férias segue para o Norte
Com a via verde não vai parar a toda a hora.
Vejo uma carroça num pátio de moradia
Parece ficou esquecida pela marcha popular
Há setenta anos os burros desta freguesia
Levavam na marcha gente a sorrir e a cantar

José do Carmo Francisco       

sábado, 5 de julho de 2014

Breve canção para «A balada das baleias»


Breve canção para «A balada das baleias»

Tantas bocas à espera
Da riqueza da baleia
Na lancha da Primavera
Não tememos maré-cheia

Os velhos lobos-do-mar
Sentados na nostalgia
Já nada podem pescar
Quando chega o fim do dia

Botes, lanchas e vapores
Na Vigia da Queimada
As vozes dos trancadores
São tempestade poupada

Quando o mar é labirinto
Quando saudade é memória
Tudo aquilo que eu sinto
Faz nascer a nova história

Aqui no centro do Mundo
Casa dos botes, meu lar
Sentimento mais profundo
Tem a fundura do mar

Com chapéu ou em cabelo
Há nestes homens cansados
As muralhas dum castelo
Batido por todos os lados   

Mulheres são como sereias
Lanchas com nome escrito
Fazem as horas mais cheias
Quando se pesca em conflito

As Filarmónicas perdidas
Chegam o som junto ao cais
No mapa das nossas vidas
Há baleias de nunca mais

José do Carmo Francisco

(nota: A Balada das Baleias é um livro de Sérgio Ávila, Ermelindo Ávila e Sidónio Bettencourt, da Ver Açor Editores)    

(Ilustração de autor desconhecido)