sábado, 30 de agosto de 2014

Primeira Balada para Rosarinho


Primeira balada para Rosarinho

Num olhar que não divide
Antes aumenta e amplia
Num quarto para Carnide
Surge uma nova alegria.
Num tempo hostil e duro
De agressões à esperança
Numa aposta ao futuro
Nasce uma nova criança.
De seu nome Rosarinho
Tem uma luz de quimera
Ao fazer do seu caminho
Anos só com Primavera.
Nem chuva de vendavais
Nem o forno do Verão
Nem sombras Outonais
Dentro do seu coração.

José do Carmo Francisco      
  
(O óleo é de Linda McCord)

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Mas toda a gente é pessoa (de um título roubado a António Rego)


Mas toda a gente é pessoa (de um título roubado a António Rego)

Morrem meninos em Gaza / Nasce o menino em Lisboa
Da maré cheia à maré vasa / Mas toda a gente é pessoa.
No mosteiro de Alcobaça  / E na morte do fundador
Metade chora a desgraça  / Metade canta o seu amor.   
São Bernardo em agonia   / Na cama faz a divisão
Os tambores da folia  / Ao lado da prostração.
Na Palestina em guerra  /Em vez de descer da cruz
Um pai desce para a terra  / Porque seu filho é Jesus.
Na Pietá tão diferente  / É um pai em vez da mãe
Chora um sonho de gente  / A partir de hoje é ninguém. 
Pois naquela sepultura  / Além do corpo enterrado
É o sonho duma criatura  / Que nunca vai ser sonhado.
Pietá de todos os dias / Na folha do calendário
O David contra o Golias  / É o Mundo ao contrário.
Tal o gueto da Polónia / Tal as câmaras de gás
Faixa de Gaza é insónia  / Mundo sem luz nem paz.

José do Carmo Francisco 

(O óleo é de Justine Brax)

terça-feira, 12 de agosto de 2014

Campo Grande


Campo Grande

Campo Grande porque só nele cabe a tua presença
Trazida para a cidade como se fosse na campina
Caminhas tão devagar e ninguém nota a diferença
Entre o teu olhar de mulher e a tua voz de menina

Desces as escadas com o ritmo de uma camponesa
Trazendo não uma mala mas um avental de maçãs
Que cheiram no centro deste encontro e da mesa
Ao grande calor das tardes e à frescura das manhãs

Campo Grande porque só nele cabe a tua aparição
Que vem trazer à nossa mesa pedaços de ternura
Enquanto o meu tempo voa nos campos da emoção
E a sede é já não encontrar a água que se procura

Se por água quisermos nós resumir esta felicidade
A tão brevíssima matéria por ti apenas enunciada
Tu trazes a luz do campo ao cinzento da cidade
Porque crias no fim da tarde a raiz da madrugada

José do Carmo Francisco

  
(Fotografia de autor desconhecido)

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Caminho (Miguel Torga)


Caminho (Miguel Torga)

Sobre tudo o mais
Um cântico erguido
Das regras gerais
Sempre distinguido
Sem palavras iguais
Nem a fazer ruído
Deixou os sinais
Para ser seguido

Sobre tudo o mais
O amor à terra
Vinhedos, pinhais
A paz e a guerra
Searas e olivais
A neve na serra
Rebanhos, animais
O que a vida encerra

Sobre tudo o mais
Um cântico erguido

José do Carmo Francisco    

(Fotografia de autor desconhecido)