sexta-feira, 28 de julho de 2017

Balada da sardinheira da Abadia


Balada da sardinheira da Abadia

Manuel Ribeiro de Pavia
Do Alentejo profundo
Faz da Vieira de Leiria
O desenho do seu mundo.
Almocreves nas galeras
Com a pressa de chegar
Sem paragens ou esperas
Voltam as costas ao mar.
A mais bela sardinheira
Canastra não cabe mais
Saiu da Praia da Vieira
Para os distantes casais.
Há quem não tenha dinheiro
Paga-se em quartas de milho
Este dia vive-se inteiro
E assim se cria um filho.
Casas de roupa estendida
Seja dúzia ou quarteirão
A sardinha traz nova vida
A quem a come no pão.
Mesmo no rol dos fiados
Tem cada dia a surpresa
Sabe escolher dos dois lados
Toucinho ou peixe na mesa.
Fritas, cozidas ou assadas
As sardinhas estão no pão
Com sopa de misturadas
A mais feliz refeição.
Esta  bela sardinheira
Da Vieira de Leiria
Caminha a manhã inteira
Para chegar à Abadia.
Com rodilha feita em casa
Ou comprada numa feira
O calor do sol em brasa
Não detém a sardinheira.
Sardinheira do meu sonho
Está no Liceu de Leiria      
Na balada que proponho
Só sobeja a melodia.

José do Carmo Francisco    

(Ilustração de Manuel Ribeiro de Pavia)


quinta-feira, 20 de julho de 2017

Canção para Francisco Filipe Martins


Canção para Francisco Filipe Martins

(a Luísa Amaro)

Canção da Primavera nas guitarras
Na alegria teimosa de quem chora
Como barco de repente sem amarras
Como um tempo sem passado, só agora.
Só presente, só tempo que não muda
Porque a mágoa se instalou no olhar 
De quem nesta cidade já não estuda
E vai com o Mondego para o mar.
Canção da Primavera falsa ligeira
 Palavras que não sei não sou capaz
As lágrimas vão para além da Figueira
Misturadas com o rio mas logo atrás.
Ficou uma canção para o futuro
Repetida em serenata de alegria
No tempo que a morte fez escuro
Só há resposta da força da melodia.

José do Carmo Francisco     


(Óleo de autor desconhecido)

segunda-feira, 10 de julho de 2017

Canção Breve para Carolina


Canção breve para Carolina

Na mesa junto à janela
Uma sombra a cada esquina
Nasce à noite nova estrela
Nos olhos de Carolina.
Cidade que a luz revela
Silhueta pombalina
Entre o rio e a procela
Passa uma mulher-menina.
Que deixa as suas raízes
Num país num continente
Seu olhar tem dois países
Uma imagem diferente.
Na solidão mais povoada
Dum tempo em velocidade
Ninguém a vê assustada
Quando enfrenta a cidade.
Na mesa junto à janela
Uma sombra a cada esquina
Nasce à noite nova estrela
Nos olhos de Carolina.

José do Carmo Francisco     


(Óleo de Michael Malm)

segunda-feira, 3 de julho de 2017

Balada para Dionísio Mendes em Coruche


Balada para Dionísio Mendes em Coruche

Por mais que tente e insista
No futuro que o esqueceu
Este filho de um motorista
Nunca irá para um Liceu.
Lá vem Álvaro Cunhal
Fato-macaco e lancheira
Do Norte de Portugal 
Passa a noite na Figueira.
Misturado na multidão
Na berma dessas estradas
No fim de uma reunião
Até amanhã Camaradas.
No quadrado das prisões
Vergonha de Portugal
Castigo de opiniões
De Peniche ao Tarrafal.
Do Aljube até Caxias
Vai a distância sofrida
Do que só encontra dias
Quando procura mais vida.
No carro do seareiro
Vai amizade e esperança
Os mimos vão primeiro
Logo a seguir à matança. 
Com o rancho melhorado
Os detidos desta prisão
Passam um melhor bocado
Com as coisas do carrão.
Nos Domingos de intervalo
Entre o trabalho aturado
A bicicleta é um cavalo
Que me leva a todo o lado.
Vem o Pachancho de Braga
Vem a Famel de Aveiro
Na prestação que está paga
Há um mundo novo inteiro.
Na mesa com telefonia
Copo de água a despistar
Rádio Moscovo anuncia
Tudo contra Salazar.
Descoberto o desconhecido
Nas notícias reveladas
O Mundo tem outro sentido
Vai para além das estradas.
Para Coruche e para Mora
Para Lavre e Azervadinha
Com notícias a cada hora
A terra não está sozinha.

José do Carmo Francisco  
      

(Fotografia de autor desconhecido)