terça-feira, 26 de novembro de 2013

Retrato de mulher no Bairro do Bom Retiro em 1961


Retrato de mulher no Bairro do Bom Retiro em 1961

Sempre de luto, não lhe sabia o nome
Que se esgotava em ser mãe de três
O António, o Manuel e a Marcolina.
A água do poço da casa era salobra
E servia apenas para as lavagens
A da sopa era da fonte de Santa Sofia.
A casa deles era pobre, húmida e fria
Mesmo rente à terra de semeadura
E muito abaixo do muro da nossa rua.
O mais velho era campino, lá longe
Vinha só de quinze em quinze dias
Para levar o avio numa saca preta.
António não usava o fato das festas
Mas sim o vulgar tecido de cotim
Tal como os militares e todos nós.
Manuel e Marcolina iam à Escola
Não tinham livros, alguém lhos deu
E calçavam sapatilhas das baratas.
Ainda hoje lhe recordo a silhueta
O cheiro da sopa de todos os dias
A máquina onde costurava lágrimas.
E não lhe recordo o nome que não sei
Nem a sua vida que trocou pela vida
Dos seus três filhos sempre asseados.

José do Carmo Francisco    

(Fotografia de autor desconhecido) 
    

domingo, 10 de novembro de 2013

Poema para um verso de Fernando Assis Pacheco


Poema para um verso de Fernando Assis Pacheco

Se fosse Deus parava o sol sobre Lisboa
No instante da sua força ao meio-dia
Como se a cidade fosse uma pessoa
A entrar na eternidade da fotografia.
A preto e branco como são as colinas
No coração de quem amou esta cidade
Em encontros e mensagens clandestinas
Para o sonho que se perdeu e é saudade.
Este prédio já foi o palácio Galvão Mexia
Ficaram os alicerces da antiga construção
As paredes contam a história de cada dia
A quem as souber escutar com atenção.
Depois é o ruído da água em surdina
Na fonte onde o garoto vende jornais
Descalço e de barrete chega à esquina
Duma vida feita de horas sempre iguais.


José do Carmo Francisco      

(O óleo é de Oleg  Basyuk)

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Balada para Helena menina


Balada para Helena menina

Em Jaen na Andaluzia
Em Úbeda, terra antiga
Helena foi uma alegria
Um amor de rapariga

Azeitona pequenina
No ramo da oliveira
Helena mulher-menina
No calor desta lareira

No signo do Aquário
Esta luz peninsular
Dia extraordinário
Na vertical do lugar

Ficou feliz a família
À volta desta figura
O berço não é mobília
Os lençóis são a ternura

O tempo não corre, voa
Entre estradas e caminhos
Mas de Madrid a Lisboa
Não vão faltar beijinhos

Que os filhos são juízes
A julgar nosso futuro
Por eles somos felizes
Num tempo tão inseguro

Investimento, esperança
Dividendo a quem souber
Vai adormecer criança
Para acordar já mulher

Balada que se termina
Numa palavra serena
Regista, canta, ilumina
O doce olhar de Helena

José do Carmo Francisco      

(O óleo é de Maki Hino)