segunda-feira, 28 de setembro de 2015

Vermeer na sua casa de Groote Markt em 1655


Vermeer na sua casa de Groote Markt em 1655

(a José Manuel Capelo)

A morte de meu pai, mais conhecido em Delft do que eu /leva-me a transformar o rés-do-chão em taberna.
Catharina toma-me conta das crianças enquanto pinto / e vou passando por este desgosto recente, inesperado / uma sombra mais neste horizonte escuro da cidade / tal como o pintei no meu quadro UMA RUA DE DELFT: / uma casa, um acesso a um pátio, três mulheres e / um céu carregado de cinzento escuro e de nuvens.
Não faço paisagens nem retratos de encomenda / apenas paisagens interiores e retratos sentimentais / com excepção da minha cidade que pintei uma vez.
Interessa-me muito mais a temperatura sentimental / duma casa – a mulher que lê a carta do marido / na guerra, a rapariga que adormeceu à mesa a bordar / uma toalha, a criada que prepara o leite na cozinha / o olhar da mulher preso no olhar do soldado, tudo enfim.
Tudo ou apenas aquilo que pude recolher e para mim é tudo...

José do Carmo Francisco  

(O óleo é de Vermeer)

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Sandy Denny (1947 - 1978)


Sandy Denny (1947 - 1978)

Não deixo que mais ninguém dispute estas lágrimas
Sei que morreste mas não reconheço a tua morte
Para mim não caíste nem foste para o hospital
Apenas flutuas a meio das escadas como num sonho.
São apenas minhas estas silenciosas lágrimas
Que o meu inglês não traduz nem consegue traduzir
Fico com os discos e fotocopio os teus poemas
Para serem discutidos na aula e é tudo.
É uma liturgia muito banal mas é minha
Não tenho outra maneira de te dizer adeus
Agora que enches de música outros territórios
Agora que alimentas uma grande saudade.  

José do Carmo Francisco 

(fotografia de autor desconhecido)

sábado, 5 de setembro de 2015

Vindima na cidade


Vindima na cidade

Concertinas no lagar
Uma vindima tardia
Fica o rancho a esperar
Pela tua companhia

Na calçada da cidade
Na porta da livraria
Nasce a nova verdade
O encontro e a alegria

Na vindima do desejo
Mamilo é bago maduro
Projecta-se a cada beijo
Uma tesoura em futuro

No socalco da calçada
No relevo de uma blusa
Quem vê não dá por nada
Fica uma imagem difusa

No teu corpo de perfil
Na ilusão da geografia
Em Outubro vejo Abril
Primavera é todo o dia

O sol completa o gosto
Dos bagos de cada cacho
Álcool e açúcar no mosto
Num copo de alto a baixo

Botões são portão da quinta
Blusa é a encosta da vinha
Vindima é de quem a sinta
Na cidade tão sozinha

No lagar das concertinas
Na luz fraca das lanternas
As mulheres são meninas
Nestas vindimas modernas

José do Carmo Francisco  

(O óleo é de Peruzi Yigit)