quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

Poema periférico do meu operador


Poema periférico do meu operador

Um vago primo que nasceu em Salvaterra
Brilhou na baliza nos Jogos de Amsterdão
Sereno com seu coração em pé de guerra
Ele voava no ar com a leveza de um balão.
Chegava sempre aos dois cantos da baliza
Quando olhava para o campo tudo media
Com os seus olhos na medida mais precisa
Separando devagar a amargura e a alegria.
Todas as derrotas e as vitórias acumuladas
São quase calendário privativo do jogador
Que joga parte da sua vida nas bancadas
Na multidão que o aplaude num clamor.
As mãos desse vago primo tinham magia
Que foi depois herdada pelo meu operador
Mãos tão precisas num ritual de cirurgia
Que assim vai separando a morte do amor.

José do Carmo Francisco           

domingo, 10 de dezembro de 2017

Poema periférico para João Moreira


Poema periférico para João Moreira

Há uma Charneca na Terra da Verdade
Uma Lezíria e um Bairro com moínhos
Nesse lugar entre o Campo e Cidade
Chega-se a todo o lado sem caminhos.
Os lugares onde afinal cada imagem
Das velas do moinho como um veleiro
São o convite recusado a uma viagem
No circo a dar a volta ao Mundo inteiro.
Charneca, Lezíria e Bairro num sorriso
Ribatejo um grande amor sem medida
Saiu do seu lugar quando foi preciso
Mas voltou a Santarém numa corrida.
Agora está sem moinho num outeiro
Onde o vento nos empurra todo o dia
Logo vai voltar disfarçado de moleiro
Com os sacos de farinha e de alegria.   

José do Carmo Francisco    

(Fotografia de autor desconhecido)

segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

Poema periférico para o homem do chá


Poema periférico para o homem do chá

O médico conhecido e o escritor obscuro
Bebem chávenas de chá verde na esplanada
E quem as prepara é um homem triste.
Entre cães activos e telemóveis desligados
A tosse, os charutos e as outras coisas más 
A tarde declina nas duas chávenas de chá.
A caminho do comboio já bem de noite
Ninguém pode reparar naquelas lágrimas
Misturadas com estas folhas castanhas.
Com uma filha no outro lado do Mundo
E outra apenas a duas horas de avião
Como eu compreendo o homem do chá.
Mesmo sem saber sequer seu nome
Sinto o homem do chá como um irmão
Na saudade húmida da filha distante.
Só o vento a arrastar folhas no passeio
Me parece neutral neste Outono frio
Em que os sentimentos tomam partido.

José do Carmo Francisco

(Fotografia de autor desconhecido)