sexta-feira, 24 de abril de 2020

Balada para uma valsa



Balada para uma valsa

Nasci a cinquenta e um
Lá em Santa Catarina
Sou um poeta comum
Tenho a voz pequenina.
Falta a força ou amplitude
Seja o timbre ou potência
E o poema não se ilude
Que a arte não é ciência.
Numa adega sem tecto
Abandonada e pequena
Logo mudou o aspecto
Nasceu a casa serena.
Não esqueço a madeira
Que serviu embarcação
A suportar uma lareira
Nas viagens da paixão.
Sou primo da prima Alice
Por parte do meu avô
Foi minha mãe que disse
Por tudo aquilo que sou.
Foi lá no Alto Alentejo
E quando Alice nascia
Que cresceu este desejo
De celebrar uma alegria.
Numa simples partitura
Um sentimento profundo
Que seja formosa e segura
Face ao desastre do Mundo.
Mas numa gaveta calada
Um neto fez da noite dia
A melodia bem datada
Esperava uma harmonia.
No acaso dum destino
O encontro logo deu fruto
Foi com maestro Adelino
Que a valsa ganhou estatuto.
Com os naipes bem afinados
Palhetas, cordas e metais
Com futuros multiplicados
Ovações não são de mais.

José do Carmo Francisco

(Oléo de Pablo Picasso)

quarta-feira, 15 de abril de 2020

Balada para Benedita



Balada para Benedita

Benedita abençoada
Benta é forma popular
O caminho é a estrada
Só agora vai começar.
O silêncio e o trabalho
O respeito e a oração
Tudo o que eu espalho
É base de uma canção.
Entre o verde e o céu
Entre o mar e o asfalto
O Mundo fica num véu
Não vem o sobressalto.
Neste Mundo pequeno
Cor-de-rosa pois então
É tudo calmo ou sereno
E só a Vida tem razão.
Vi linha de brinquedos
Nesta cama de repousar
Não tenho hoje segredos
Pois basta só ouvir o mar.
E sem eu partir à procura
Do afecto seu esplendor
Vem ter aqui a Ternura
E logo a seguir o Amor.

José do Carmo Francisco

(Óleo de Charles Boom)

quarta-feira, 8 de abril de 2020

Rosa e Poseidon



Rosa e Poseidon

(poema autógrafo para António Manuel Venda)

São só as duas «caixas altas» do livro
São a flor e o navio, são a terra e o mar 
Das palavras e das viagens no oceano.
Terá sido o poeta Maiakowsky a lembrar
Serem todas as palavras mais frágeis
Do que flores pisadas depois do baile.
O vento que aqui espalha essas pétalas
É o mesmo a empurrar todos os veleiros
Na vaga liturgia dos poemas esquecidos.
Tudo o resto neste livro é «caixa baixa»
Nome de cidade e de província na Europa
Nome de automóvel de luxo nas estradas.
E sempre uma fotografia a preto e branco
Porque a cores são as do casamento actual
Já instalado no novo regime de «leasing».
É tudo a prazo, a festa, a quinta, as férias
E chamam crédito ao vulgar empréstimo
A fingir não saber que tudo tem um preço.

José do Carmo Francisco

sexta-feira, 3 de abril de 2020

Balada para António (em 3 de Abril 2020)



Balada para António (em 3 de Abril 2020)

Neto António é a figura
Da festa que se anuncia
Há quatro anos que dura
A luz do primeiro dia.
Atendida uma distância
Criada pela pandemia
Não será a circunstância
Que vai esconder alegria.
E a coisa mais estranha
Numa festa diferente
O outeiro é a montanha
E quatro são muita gente.
Com devidas proporções
A festa tem mais beleza
Pelas tão diversas razões
Da Cultura e da Natureza.
E cada voz multiplicada
Por cinco e dez e vinte
Cresce sem dar por nada
Este efeito de requinte.
Dum microcosmo feliz 
Festa de anos pequena  
Naquilo que não se diz
Está toda a força serena
Dum menino organizado
Entre sonhos e conceitos
O seu Mundo é todo o lado
Mas com deveres e direitos.
E tudo é só uma memória
Dum lugar certo e preciso
A Patrícia lê nova história
A Ana abre porta e sorriso.

José do Carmo Francisco

(Fotografia de autor desconhecido)