sábado, 21 de dezembro de 2013

Bairro Alto com papas e bolos


Bairro Alto com papas e bolos

Deram um bolo e uns fadinhos
Mais uns segundos de televisão
Temos cada vez menos vizinhos
Expulsos do Bairro pela confusão.
E deram também uma revista
Onde o rosto da nossa autarquia
Toma partido e esquece a lista
Das promessas que antes fazia.
À esquina do Diário de Notícias
Com a Travessa da Queimada
O bolo sob o olhar dos polícias
É imagem e harmonia simulada.
Foi logro e demorou quase nada
Logo voltou a tristeza e a rotina
Agressão de gritos na madrugada
Os copos e o mau cheiro da urina.

José do Carmo Francisco        

(fotografia de autor desconhecido)

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Poema para os 500 anos do Bairro Alto


Poema para os 500 anos do Bairro Alto

Bairro Alto não tem becos; só travessas
E ruas que são grandes como artérias
Mais igrejas onde orações e promessas
São a resposta às desgraças e misérias.
Rua da Rosa onde um dia nasceu Camilo
Onde Nemésio teve quarto, era aspirante
Primeiro jornal onde a palavra era o estilo
Primeiro livro que hoje vejo tão distante.
Neste tempo há facadas só nos talhos
Continuam os lugares e as padarias
No mapa dos sonhos e dos trabalhos
Cartografamos as lágrimas e alegrias.
Que S. Roque nos proteja da ganância
Já que da Vereação nada se espera
Que Inverno perca força, importância
Que venha a luz e o sol da Primavera.

José do Carmo Francisco

(A ilustração é de Eduardo Salavisa)

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Até Esse Momento


Até Esse Momento

Lembrarás então o pai aqui sentado
A máquina de escrever no chão
Os discos na parede entre a luz e o pó

Irão passar talvez muitos anos
Farás promessas que não vais cumprir
E dirás ruas para voltar noutras horas

Será como quem percorre um caminho
Iluminado pela luz do teu olhar
À procura das palavras subterrâneas

Lembrarás então o pai aqui sentado
Um gelado presente do indicativo
E silencioso que não fala – não esquece

Passarás nas tuas mãos um fio
Será talvez a memória das noites
O tempo do leite e das fraldas

Será como quem procura descobrir
Nos desenhos (nos cadernos escolares)
Uma outra maneira – a tua outra voz

Lembrarás então o pai aqui sentado
Não como pai mas como anónima pessoa
Surpresa a esperar no céu do outono

Terás nas tuas mãos um retrato
O voo das aves por cima da casa
Como inesperada vírgula do tempo

Será como quem procura fragmentos
Num momento ou talvez num lugar
Na tua idade como um portão aberto

José do Carmo Francisco

(óleo de Judy Drew)