terça-feira, 2 de setembro de 2014

Poema sem direcção nem código postal (sobre foto de Valter Vinagre)


Poema sem direcção nem código postal (sobre foto de Valter Vinagre)

A rua onde te encontrei de raspão
A sair e a entrar de um autocarro
Foi rio de lavadeiras de sabão e pedra
E canções de galeras velozes na estrada.
Hoje estou arrependido de ter dito adeus
Tão depressa entre as duas portas de fole
Sem tempo para pedir a tua direcção actual
E o código postal respectivo e obrigatório.
A vida é um mistério, nunca um negócio
Quarenta e oito anos depois fiquei calado
Quando deveria falar de moradas e de ruas
E dar-te ao mesmo tempo o meu telemóvel.  
A estrada onde foi outrora uma ribeira limpa
Com lavadeiras a cantar nas manhãs de sol
É o mesmo lugar cento e quarenta anos depois
Quando o nome de Sete Rios se justificava.
Perdi teu nome todo na porta do autocarro
O mesmo nome que como o meu num repique
Se seguiu a um baptizado na mesma pia sagrada
Da igreja paroquial da fotografia a preto e branco.

José do Carmo Francisco 

(Fotografia de Valter Vinagre)    

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