sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Pranto e lamentação de Joana em 22 versos


Pranto e lamentação de Joana em 22 versos

O nosso vinte e cinco de Abril veio tarde de mais
Setenta e quatro deveria ter sido sessenta e um
O meu irmão foi dos primeiros, ainda fardas velhas
E veio numa caixa de pinho como se diz na canção.
Aqui houve plenários, as secretárias tinham tabaco
E eu ia ao lado das manifestações e dos cadernos
Eu então reivindicava outro vinte e cinco de Abril
Para que o meu irmão já não morresse na guerra
As lágrimas de minha mãe teriam ficado por chorar.
Houve delegados sindicais e comunicados a stencil
E votos de punho erguido em plenários concorridos
Nas escadas de vidro vejo subir gente apressada
E nas sombras julgo ver o meu irmão mais novo
Como se não tivesse havido morte nem lágrimas
Que minha mãe chorou quando leu o telegrama.
Não canto, nunca mais cantei as modas da terra
A minha voz está na lama dos caminhos, no escuro
Lá onde toda a harmonia se desintegra tão devagar
Na noite onde o silêncio é mais forte que o soluço
Soluço repetido, magoado, duplo, de duas mulheres
Enquanto meu pai no terraço e fuma outro cigarro
Longe de nós para que ninguém oiça nem perceba.

José do Carmo Francisco  

(O óleo é de Linda Christensen)          

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