domingo, 25 de novembro de 2012

Balada da Calçada do Combro



Balada da Calçada do Combro (ou o «28» de Oleg Basyuk)

A Rua de todos os dias
Onde eu ia quatro vezes
E as noites mais sombrias
Demoravam como meses

Polícia à porta da Escola
A proteger as meninas
O amor era uma esmola
Pedida noutras esquinas

Poço dos Negros abaixo
Em cima era o Calhariz
Na memória que eu acho
Tudo é escuro e infeliz

Havia a guerra e o medo
Estava perto a inspecção
Um poema era segredo
Na Escola Veiga Beirão

Ao sábado até à uma
O trabalho continua
A bica de alta espuma
Espera por mim na rua

Manhã de segunda-feira
Vinte e oito na pendura
Uma vida verdadeira
Não se vive em ditadura

Nos cafés ao fim do dia
Os boatos são notícias
Falar é uma teimosia
À paisana são polícias

«Suplemento literário»
Quinta-feira nos jornais
Via o tempo ao contrário
Onde os sonhos eram reais

Passam já quarenta anos
Sobre mim sobre a calçada
Fora estes mitos urbanos
Parece que não houve nada

Excepto talvez a ternura
Que se gastou em excesso
A calçada é uma gravura
Mas virada do avesso

Onde até eu sou presente
Na multidão disfarçado
Estou no lugar da frente
Assim vou a todo o lado

Numa porta de Livraria
Vi Bocage em imagem
Na paragem da alegria
Acabou esta viagem

José do Carmo Francisco

(Óleo de Francisco Xicofran)

1 comentário:

  1. tão gira. eu chamo-lhe a rua da alegria. :-) há no Porto uma, mas não é assim.

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