segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

Os Poetas do Café



Os Poetas do Café

Os Poetas do Café naquele dia
Em grupo junto ao Diplomata
Todos unidos na força da Poesia
Ao cimbalino e ao pastel de nata.

Vítor Oliveira Jorge veio atrasado
 Não chegou a horas ao conjunto
Mas a Poesia está em todo o lado
E no caso era ela em si o assunto.

José do Carmo Francisco

(Fotografia de Autos Desconhecido)

quarta-feira, 25 de dezembro de 2019

Segundo Cristo da Rua Anchieta



Segundo Cristo da Rua Anchieta

(poema autógrafo para Eduardo Olímpio)

Um ano depois do primeiro
O segundo Cristo de madeira
Parece outro, o verdadeiro
Porque tem o calor da lareira.
Na sombra subtil e pequenina
Que o rosto revela em sacrifício
Olho as lágrimas da Palestina
Outros fazem da morte ofício.
Um Cristo de madeira, nada mais
Na Rua Anchieta tão sossegada
O furor que vem doutros Natais
Onde se morre sem dar por nada.
Natal da morte coisa tão contrária
À lógica da nossa vida de cada dia
Faixa de Gaza onde a morte diária
Não permite um alicerce à alegria

José do Carmo Francisco

quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

Azeite



Azeite

             (para uma exposição em Proença-a-Nova)

Se um búzio na madrugada
Punha o rancho a caminho
Na serventia ou na estrada
Ninguém ficava sozinho.
Se a azeitona miudinha
Traz a terra e a geada
Hoje esta chuva vizinha
Foi fria e inesperada.
Lembra-me este olival
Uma mina de carvão
O negro forte é sinal
Em cinco dedos da mão.
Cinco litros azeite puro
Por cada saca ao lagar   
Nos caminhos do futuro
A luz do Mundo a cantar.

José do Carmo Francisco

segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

Monte Estoril



Monte Estoril

           (a Francisco José Viegas)

A Literatura não tem, como a Ciência, a possibilidade de recorrer ao Carbono para uma correcta ou aproximada datação seja de um facto ou seja de um documento. Esta foto será talvez dos anos quarenta do século XX quando o escritor Ian Lancaster Fleming transformou o espião verdadeiro «Popov» no ficcionado «agente 007» e o Casino Estoril da realidade no Casino Royale do romance. A ficção tem destas coisas: o jugoslavo deu lugar ao britânico, o espião a trabalhar por conta própria foi substituído por um homem integrado numa organização do Governo. Depois é a praia com apenas quatro toldos de aluguer. E as linhas do comboio sem locomotivas nem carruagens. Ao longe temos Cascais: o fim da linha férrea e o limite da Costa do Sol. Todos nós, mesmo os que não nascemos no Pocinho na Estação de Caminho de Ferro, gostamos de comboios talvez por eles serem a metáfora perfeita da vida como viagem na qual a partida tem tempo certo mas a chegada não tem hora prevista. Estamos preparados para tudo menos para essa inevitável estação final.  

José do Carmo Francisco    

sábado, 30 de novembro de 2019

Jornal (António)



Jornal (António)

Foi ao almoço ao Cacém
Adormeceu no caminho
O Pedro que ia também
Ficou a brincar sozinho.

Chama Escola ao Colégio
Está na sala da Patrícia
Ana à porta é privilégio
Cada dia uma notícia.

José do Carmo Francisco

sábado, 16 de novembro de 2019



Absurdíssimo de Santos Fernando na Casa da Achada

                                                  (a Luís Santos e Pedro Oliveira)

Há palavras e navios por fretar
No porto dominados pelas algas
Nascidas do tempo explicativo.
Há depois o morto a beber
Com o ajudante e o motorista
Na viagem longa para a terra.
Há um navio na rua da cidade
À procura dum amor possível
Contra a rotina e o quotidiano.
Há um doente a sofrer de vazio
No tempo mais do que absurdo
De quem tem quatro empregos. 
Há denominador comum na cena
Cantar mesmo se nada justifica
Para se trocar a morte pela vida.

José do Carmo Francisco

(Fotografia de autor desconhecido)

sexta-feira, 8 de novembro de 2019

E tem tudo a ver com a Geografia



E tem tudo a ver com a Geografia

                                      (poema autógrafo para Carlos Nogueira)

Tombou sobre a Cidade uma chuva
Capaz de enlouquecer semáforos
No fim da tarde do Campo Grande.
No Largo do Rato a mesma coisa
Não anda nem desanda o tráfego
Parado lá para a Dom João Quinto.
Quando cheguei à Torre do Tombo
Estava em Amarante com O´Neill
Desça que já não há nada a fazer!
Aqui era o Mercado Geral de Gados
Onde pelo ano de 42 o adolescente
Viu no carro da PIDE a mão a acenar.
O poema é a maneira de não morrer
Numa fresta do carro celular ronceiro
Com gente de Alhandra e Vila Franca.
Havemos de voltar a marcar encontro
Ou Vigo ou Valongo ou Pai do Vento
Talvez a Teresa volte a ter 19 anos.
Com sorte temos o bolo de iogurte
Feito pela Dona Alice só para nós
E para o Eduardo Guerra Carneiro.
Se o tempo quente lembrar a praia
Ouvimos mulheres a chamar os filhos
Luís Vítor Bruno Manuel Mafalda Sofia.
Alexandre O´Neill pode até aparecer
Do lado da Rua da Escola Politécnica
E tem tudo a ver com a Geografia.

José do Carmo Francisco
   

quarta-feira, 30 de outubro de 2019

Entre a rua e a freguesia



Entre a rua e a freguesia

Amargura é nome de rua
Lá nas Caldas da Rainha
Muitos lhe chamam sua
Eu porém a quero minha.
E lá na cidade da Horta
Angústias é a freguesia
Elas não batem à porta
Só trazem melancolia.
No tempo de ser recruta
Eu fazia o meu cominho
Morte e vida em disputa
E nunca estava sozinho.
Angústias permanentes
Amargura é um registo
Os tristes e os contentes
Só eu não sei se existo.    

José do Carmo Francisco

(Óleo de Manuel Amado)         

segunda-feira, 21 de outubro de 2019

Cantiga Catarinense



Cantiga Catarinense

Novembro Natal à porta
E a festa da Padroeira
Poesia em hora morta
A quadra é uma cadeira.
Quatro versos são pernas
Dá o resumo do Mundo
Com palavras modernas
Um sentimento profundo.
Entre ser bom e ser mau
Vai o menino ao leilão
Carne, louro e colorau
Leva um prato na mão.
Com tanto sol tanto pó
Cavacas doces com vinho
Não vejo pena nem dó
Para o rapaz mais sozinho.
Rebentou-lhe o morteiro
A mão ficou esfacelada
O tempo era verdadeiro
E ninguém dava por nada.
Está no ar uma cantiga
No tempo nunca distante
É uma voz de rapariga
Que fica no altifalante.

José do Carmo Francisco

quinta-feira, 10 de outubro de 2019

Camisola a preto e branco



Camisola a preto e branco

(poema autógrafo para Carlos Lobão)

Às segundas-feiras logo de manhã
Os jornais aqui não dão os resultados
Mas nem por isso nós somos menos
A caminho da pequena posteridade.
Quando a equipa chegou do Funchal
Havia crianças com ramos de flores
E o som feliz da nossa Filarmónica
Misturava a voz da Terra com o Mar.
No átrio todos estão à minha espera
Hoje eu sou um dos rapazes do andor
Levo a camisola lavada dum defesa
E já sei que não me posso demorar.
Se eu estiver atónito e comovido
Não tomem a sério nem reparem
Afinal é só uma nuvem de incenso
A brasa era grande como o soluço.

José do Carmo Francisco       

quarta-feira, 2 de outubro de 2019

Lamentação no Rossio para Ana e Marta



Lamentação no Rossio para Ana e Marta

Desiguais fusos horários
Para saber de duas filhas
Em hemisférios contrários
As duas diferentes ilhas.

Uma fica do lado inferior
Outra no Hemisfério Norte
Mas o tamanho do Amor
Tem a proporção da sorte.

José do Carmo Francisco

(Óleo de Émile Claus)

sábado, 28 de setembro de 2019

As lágrimas azuis de Luís Alberto Ferreira


As lágrimas azuis de Luís Alberto Ferreira

Era pelo ano de mil nove quarenta e sete
Os Belenenses foram campeões em Elvas
Luís Alberto vinha de Luanda para o Liceu
Já formatado na paixão pelo azul de 1919.
Foi no Atlético de Luanda que começou
Depois no eléctrico do Chile para Belém
Encontrava três dos jogadores famosos
Mas nenhum tinha uma carta de chófer.
Eram as previsões, anseios e augúrios
Ali na palhinha do lugar no transporte
Eram três, eram cinco, era uma abada
No olhar de Amaro, Quaresma, Feliciano.
Tudo era possível mas só nos sonhos
A Revista Stadium não era nada barata
Mas todos queriam as vitórias a haver
A paixão é uma seara a perder de vista.
Da Baía de Luanda ao Mar da Palha
O mesmo azul do mar e das lágrimas
As viagens e os naufrágios esquecidos
Hoje cem anos depois do primeiro dia.

José do Carmo Francisco

(Foto de autor desconhecido)

domingo, 22 de setembro de 2019

Fala de António Durães, actor de «A dama das camélias» no São Luís em 8-9-2019



Fala de António Durães, actor de «A dama das camélias» no São Luís em 8-9-2019

O ruído do eléctrico chega aos bastidores
Mas os turistas deste «28» em tarde de sol
Esses nunca irão ler nenhum dos seus livros
Nem saber quem foi José Augusto França. 
Há uma muito lamentável caixa baixa
No nome da sala Luís Miguel Cintra
Impresso no bilhete desta récita
Por possível erro dum computador.
Nem Pai tirano nem Pátio das cantigas
Apenas a encenação século vinte e um
Com recurso a áudio-texto mas sem mail
Coisa que hoje até os sem-abrigo usam.
Seja como for eu sou um pai dividido
Entre a força do amor e as convenções
Porque o casamento da minha filha
Depende muito da dama das camélias.
Não é verdade que eu esteja indisposto
O anúncio sonoro do meu estoicismo
É apenas o que resta do século dezanove
Quando havia peixe frito e caldeiradas.
Sabemos que o amor não acaba nunca
Tal como já São Paulo nos tinha escrito
Com telemóveis logo será outra história
No fundo tudo isto permanece e continua.

José do Carmo Francisco 

segunda-feira, 9 de setembro de 2019

Com António Fialho e Duarte Jorge, seminaristas


Com António Fialho e Duarte Jorge, seminaristas

Nesta procissão da Padroeira
Eu levava o turíbulo do incenso
À frente do pálio do sacerdote
Com um resplendor de prata.
Muitas vezes eu fui a correr
Buscar brasas ao lume da casa
Onde nasci, casa de meus avós
Que hoje é apenas uma ruína.
Outras vezes era meu tio Álvaro
Dividido entre músico e sacristão
A correr, sempre a correr a tudo
Só na torre Zé Pombo não falhava.
À frente do pálio as bandeiras
Os pendões e os estandartes
Levados por homens e rapazes
Que ouviam a grave Filarmónica.
Um grupo de miúdos aparece
A dizer a um homem solene
Que um morteiro esfacelou
A mão de seu filho curioso.
Pois não lhe tivesse pegado
Que eu agora não posso largar
A espia do pendão ao vento
(Era Novembro, o Natal à porta)

José do Carmo Francisco

(Fotografia da colecção particular de JCF)

sábado, 17 de agosto de 2019

As bicicletas de 1959



As bicicletas de 1959

(poema para os oito anos do meu neto Pedro)

Quando eu tinha oito anos
Ia sempre a pé para a Escola
Porque era assim o tempo
E eram outras as palavras.
Festejei a idade no Montijo
Nessa Rua Sacadura Cabral
Com marmelada e azeitonas
Tio Cristiano, homem do pão.
À porta da Pastelaria Mimosa
Uma senhora importante
Disse para o teu bisavô atónito:
«Filho de motorista não vai para Liceu».
Era assim naquele tempo escuro
Quando o nosso Quim Zé marcou
Um grande golo pelo Sporting
No minuto 87 ao Barreirense.
Em 1989 teu pai fez oito anos
Estava eu a publicar um livro
Desporto na Poesia Portuguesa
Poemas que vão subir ao palco.
A única coisa que permanece
Do tempo dos meus oito anos
É a recomendação ao aluno:
«Não tragas bengalas e bicicletas»

José do Carmo Francisco 

(Fotografia da colecção particular de JCF)

terça-feira, 6 de agosto de 2019

Balada para Adelino Gomes



Balada para Adelino Gomes

Tanta gente que foi presa
Para que houvesse eleições
Entre as urnas e a mesa
Com os sonhos e as opções.
Aqui vai Gomes Adelino
Como se escreve em França
Traçar um novo destino
Sementeira de esperança.
No Largo onde o capitão
Dá fogo com pré-aviso
E a força da multidão
É tudo o que é preciso.
Aqui não cabe ninguém
O Largo ficou repleto
Veio gente de Santarém
Trazia um plano secreto.
O Estado a que isto chegou
Já não pode continuar
E o soldado regressou
Do outro lado do mar.
Capitão Salgueiro Maia
Pela Rua do Arsenal
Havia uma outra praia
No destino em Portugal.
No mapa das prisões
Peniche, Aljube, Caxias
Tarrafal deu as razões
Para a força destes dias.

José do Carmo Francisco     

(fotografia de Carlos Gil)

terça-feira, 23 de julho de 2019

Poema periférico para Ana Santos Barros



Poema periférico para Ana Santos Barros

Meu avô José Almeida usava as lágrimas
Em vez de pregos nos caixões dos anjinhos
Que fazia sem levar dinheiro pelo trabalho.
Vinham rapazes de longe, primos ou irmãos
Do menino morto com o tifo ou o garrotilho
Com o pedido por favor do pai da criança. 
Vestir o morto e chorar era coisa delas
Das mulheres da família reunidas em casa
A comer apenas o que as vizinhas davam.
Meu avô trabalhava devagar na oficina
Na nossa terra nem médico nem farmácia
Mais que solidão aquilo era o desamparo.
«Fazer versos dói» como pregar pregos
No caixão para o anjinho a pedido do pai
Chama-se S. Catarina podia ser S. Mateus.
Qualquer lugar serve para sofrer a vida
Sem os momentos felizes nem as ilusões
Do Cinema, do Teatro ou da Literatura.

José do Carmo Francisco

(Fotografia de autor desconhecido)

quinta-feira, 11 de julho de 2019

Musa entre Cecília Correia e Maria Keil



Musa entre Cecília Correia e Maria Keil

Limões, hortaliças, verduras
Num carrinho ao fim da rua
Dez histórias de aventuras
Cada leitor chama-lhe sua.

O Mundo visto à janela
Debruçado sobre o Tejo
E a camisola amarela
Ganha corrida ao desejo.

José do Carmo Francisco

domingo, 30 de junho de 2019

Musa em som de Frank Smalley



Musa em som de Frank Smalley

Na sobreloja o piano
A viajem na melodia
O recital quotidiano
Antes do som já ouvia.

E os livros da Livraria
Não cabem nas estantes
São a estrada da alegria
No eterno dos instantes. 

José do Carmo Francisco

terça-feira, 18 de junho de 2019

Musa em canção nocturna



Musa em canção nocturna

No nocturno cancioneiro
O poema é uma resposta
Se poético é verdadeiro
Só a mentira não gosta.

Desta estranha liturgia
A ligar como oração
O sonho do novo dia
Entre instinto e razão.

José do Carmo Francisco


(Desenho de Warwick Goble)

segunda-feira, 10 de junho de 2019

Musa em café de subúrbio



Musa em café de subúrbio

São sete mulheres em duas mesas
Os homens esquecidos, obliterados
Circulam nas rotinas portuguesas
São outros os encontros marcados.

Aqui o púlpito é esta televisão
Uma mensagem circula pelo ar
A reportagem no lugar do sermão
Os fiéis no café rezam devagar.

José do Carmo Francisco

(Ilustração de autor desconhecido)

terça-feira, 4 de junho de 2019

Musa em fim de semana


Musa em fim de semana

Quando chega a sexta-feira
Nas folhas dum calendário
Na Quinta da Regaleira 
O tempo passa ao contrário.

A musa abre um império
De sonhos e de segredos
No poço que é um mistério
O som do mar nos penedos.

José do Carmo Francisco

(Óleo de Edward Cucuel)

quarta-feira, 29 de maio de 2019

Balada para Vila Nova da Barquinha



Balada para Vila Nova da Barquinha

Vou abalar, vou-me embora
Quero ir para a Barquinha
Lá eu não sou visto de fora
E sinto a terra como minha.
Montijo, Escola Primária
Vila Franca e Santarém
Está na minha secretária
O Ribatejo é Terra Mãe.
Mesmo que teime e insista
Num destino que se perdeu
Este filho dum motorista
Não foi mesmo para o Liceu.
Foi no Esteiro do Nogueira
Numa memória confusa
Que a mais linda avieira
Se tornou a minha musa.
Na Escola o «Velas do Tejo»
O jornal numa parede
Nasceu assim um desejo
Mas nunca mata a sede.
Nessa Escola Comercial
Com História e Geografia
Meu destino natural
Era o balcão, quem diria.
Em Santarém n´O MIRANTE
A escrever na nova luta
Tudo o que fui em diante
Nasceu daquela recruta.
Sou do tempo em que o avio
Do campino mais sozinho
Quando um pão seco e frio
Dava um petisco quentinho.
Sou do tempo do campino
Sem telemóvel ou jeep
Trabalhava o seu destino
Sem algum medo da gripe.
Roupa que a chuva molhava
Não podia ser substituída
Vinha o Sol que a secava
E era assim aquela vida.
  
José do Carmo Francisco

sábado, 18 de maio de 2019

Musa em tarde de esplanada



Musa em tarde de esplanada

Um lugar marcado na esplanada
Para bolo e café contra a rotina
Se passa a correr não dá por nada
Nem vê o perfil da mulher-menina.

Empurrou a neblina da madrugada
Forte e compacta como um muro
Na dúvida aos poucos decifrada
Se desenha o rumo para o futuro.

José do Carmo Francisco

(Quiosque do Oliveira no Principe Real por M. Nagashima)