domingo, 28 de abril de 2019

Jocelyn e Philip no camarote do Queen Mary 2



Jocelyn e Philip no camarote do Queen Mary 2

Nem tudo cabia no belo saco vede do Sporting
Além do kispo do Tomás, das calças do Lucas
E dos livros da Ana Maria e do Ian Sutherland.
Faltou um comboio para Francisco José Viegas
Faltou também um palco para Jorge Silva Melo
O mesmo é dizer Miguel Torga e Enda Walsh.
Em vão recomendei todo o cuidado a Philip
Por causa dos carteiristas do eléctrico nº 28
Em Barcelona um profissional levou tudo.
Maneira de dizer dinheiro e documentos
Mas não tirou nem podia tirar o espírito
Porque um viajante nunca será um turista.
Vemos a fotografia tirada no Funchal em 1928
A caminho do Rio de Janeiro também de barco
Marinheiro, operário e marquês de Penafiel.
É esta mistura feliz que o saco verde recorda
E insiste na memória do jogo de 1902 em Belas
Ou outro em 1904 no Jardim do Campo Grande.
Vimos a cidade do alto do Castelo de São Jorge
Almoçámos na Paparucha, sentimos as árvores
Mais inesperadas do Jardim do Príncipe Real.
Fizemos a rota das livrarias Bertrand e Ferin
Juntando sague pisado e estilo, vida e poema
Entre o pó dos minutos e a posteridade relativa.

José do Carmo Francisco    

(Fotografia de autor desconhecido)

quinta-feira, 18 de abril de 2019

Balada dos meninos do Montijo em 1958


Balada dos meninos do Montijo em 1958

Os meninos tão diferentes
E já passaram tantos dias
Trazem os olhares quentes
No fervor das nostalgias.
Tantos anos terão passado
Sobre a foto tão singular
Andamos por todo o lado
Voltamos sempre ao lugar.
E até a côr do retrato
Está no tempo passado
Castanho, sépia, exacto
Num desenho recortado.
O tempo desses meninos
É um profundo mistério
Por cada um dos destinos
Entre o cómico e o sério.
Sobre o processo mental
De quem guardou o incenso
Há um olhar principal
Um tempo inda suspenso.
Na naveta da memória
Nas casas da nostalgia
Estamos todos na glória
De cantar em cada dia.

José do Carmo Francisco

(Fotografia da Colecção Particular de JCF)

sábado, 13 de abril de 2019

Encomendação das Almas no Palácio Baldaya



Encomendação das Almas no Palácio Baldaya

Quem canta por conta sua
Canta sempre com razão
Nas Corgas cantam na rua
No Baldaya foi num salão.
A Cultura e a Natureza
Unidas numa oração
A cantar também se reza
Pela voz dum coração.
Entre as sete senhoras
A voz do homem pontua
Esta liturgia das horas
Numa igreja que é a rua.
Ficou o cheiro da cera
Das velas duma lanterna
Perfume de Primavera
Nem antiga nem moderna.
E num Dia do Senhor
Voz do Campo na Cidade
Veio levantar um clamor
E deixar uma saudade.
Bendita e louvada seja
A força que fez juntar
Numa privada igreja
Este grupo neste lugar.

José do Carmo Francisco 

(Fotografia de Autor Desconhecido)

terça-feira, 2 de abril de 2019

Lamentação de Wanninger a Jorge Silva Melo



Lamentação de Wanninger a Jorge Silva Melo

Tudo na vida se resume a isto:
Não haver quem atenda e pague
As facturas deste encadernador.
Uma, duas, três vezes foi em vão
Ninguém quer saber das facturas
De Wanninger, o humilde oficial.
Karl Valentin continua entre nós 
Nos cafés-teatro de fumo e música
Onde ninguém atende o telefone.
Foi o vazio deste tempo vazio
Onde não se comunica nada
Sequer o princípio da atenção.
Wanninger fala a Jorge Silva Melo
E sabe que «A mesa está posta»
No jardim do Príncipe Real.
De resto tudo continua assim
Sem resposta ao encadernador
Como o poema que ninguém lê.

José do Carmo Francisco   

(Fotografia de autor desconhecido)