sábado, 30 de janeiro de 2016

Uma mesa na manhã


Uma mesa na manhã

As tuas mãos deixaram-me um calor de paz
Encontrei o teu olhar mas só de passagem
Encontrei a tua voz mas foi tudo tão fugaz
Chamava-te ao longe a porta da carruagem

Na mesa onde te tenho lembrado tanta vez
Desembrulhei os meus volumes de saudade
Esta palavra que apenas existe em Português
Mas sem volume, sem peso, sem densidade

Encontrei o teu lugar mas só de passagem
Nesta mesa onde chegaste já cansada
De uma vida que é a metáfora da viagem
Canseira que te toma sem dares por nada

Procurei no meu beijo dar-te um resumo
Por duas vezes prolongaste a despedida
Nos vidros sujos pela pressa e pelo fumo
Que envolve todos os rituais da tua vida

José do Carmo Francisco

(Óleo de Heidi Palmer)

domingo, 24 de janeiro de 2016

Jornal


Jornal

Era um jornal a tua voz tão cristalina
Às três da tarde numa edição especial
A notícia eras tu, natural e vespertina
Ao lado os turistas buscavam Portugal

Gritarei o teu nome na voz dos ardinas
Anunciando esta mais recente novidade
Tu trazes nas tuas mãos tão pequeninas 
Um fogo para dar calor a esta saudade

Guardarei feliz estes fotolitos do teu rosto
Felizmente já não há chumbo nem granéis
No frio de Março tu trazes calor de Agosto
Quando alteras a sombra dos meus papéis

E ao nosso lado ninguém dava por nada
Só eu podia ver nos teus olhos a alegria
Chamar-te jornal é uma forma exagerada
Mas tu foste a melhor notícia do meu dia

José do Carmo Francisco

(Óleo de Emile Bernard)

quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Retrato Breve de Alice


Retrato breve de Alice

O mundo inteiro cai nos ombros de Alice
Inteiro, não metade como dizem na China
Neste cardápio das doenças e da velhice
Cabe a Alice uma parcela não pequenina

São dias feitos de rotinas e de trabalhos
Repartidos entre as horas e os minutos
O calor que se desprende dos agasalhos
Junta-se aos dedos quentes e resolutos

Nas refeições preparadas com carinho
E servidas sempre a horas com ternura
No tempo hostil que passa devagarinho
Dos seus olhos sai uma água leve e pura

Em lágrimas invisíveis porém percebidas
Mas que ninguém viu e que ninguém disse
Nos seus ombros há o peso de duas vidas
O mundo inteiro cai nos ombros de Alice

José do Carmo Francisco

(Óleo de Carlos Majuran)