sábado, 28 de setembro de 2019

As lágrimas azuis de Luís Alberto Ferreira


As lágrimas azuis de Luís Alberto Ferreira

Era pelo ano de mil nove quarenta e sete
Os Belenenses foram campeões em Elvas
Luís Alberto vinha de Luanda para o Liceu
Já formatado na paixão pelo azul de 1919.
Foi no Atlético de Luanda que começou
Depois no eléctrico do Chile para Belém
Encontrava três dos jogadores famosos
Mas nenhum tinha uma carta de chófer.
Eram as previsões, anseios e augúrios
Ali na palhinha do lugar no transporte
Eram três, eram cinco, era uma abada
No olhar de Amaro, Quaresma, Feliciano.
Tudo era possível mas só nos sonhos
A Revista Stadium não era nada barata
Mas todos queriam as vitórias a haver
A paixão é uma seara a perder de vista.
Da Baía de Luanda ao Mar da Palha
O mesmo azul do mar e das lágrimas
As viagens e os naufrágios esquecidos
Hoje cem anos depois do primeiro dia.

José do Carmo Francisco

(Foto de autor desconhecido)

domingo, 22 de setembro de 2019

Fala de António Durães, actor de «A dama das camélias» no São Luís em 8-9-2019



Fala de António Durães, actor de «A dama das camélias» no São Luís em 8-9-2019

O ruído do eléctrico chega aos bastidores
Mas os turistas deste «28» em tarde de sol
Esses nunca irão ler nenhum dos seus livros
Nem saber quem foi José Augusto França. 
Há uma muito lamentável caixa baixa
No nome da sala Luís Miguel Cintra
Impresso no bilhete desta récita
Por possível erro dum computador.
Nem Pai tirano nem Pátio das cantigas
Apenas a encenação século vinte e um
Com recurso a áudio-texto mas sem mail
Coisa que hoje até os sem-abrigo usam.
Seja como for eu sou um pai dividido
Entre a força do amor e as convenções
Porque o casamento da minha filha
Depende muito da dama das camélias.
Não é verdade que eu esteja indisposto
O anúncio sonoro do meu estoicismo
É apenas o que resta do século dezanove
Quando havia peixe frito e caldeiradas.
Sabemos que o amor não acaba nunca
Tal como já São Paulo nos tinha escrito
Com telemóveis logo será outra história
No fundo tudo isto permanece e continua.

José do Carmo Francisco 

segunda-feira, 9 de setembro de 2019

Com António Fialho e Duarte Jorge, seminaristas


Com António Fialho e Duarte Jorge, seminaristas

Nesta procissão da Padroeira
Eu levava o turíbulo do incenso
À frente do pálio do sacerdote
Com um resplendor de prata.
Muitas vezes eu fui a correr
Buscar brasas ao lume da casa
Onde nasci, casa de meus avós
Que hoje é apenas uma ruína.
Outras vezes era meu tio Álvaro
Dividido entre músico e sacristão
A correr, sempre a correr a tudo
Só na torre Zé Pombo não falhava.
À frente do pálio as bandeiras
Os pendões e os estandartes
Levados por homens e rapazes
Que ouviam a grave Filarmónica.
Um grupo de miúdos aparece
A dizer a um homem solene
Que um morteiro esfacelou
A mão de seu filho curioso.
Pois não lhe tivesse pegado
Que eu agora não posso largar
A espia do pendão ao vento
(Era Novembro, o Natal à porta)

José do Carmo Francisco

(Fotografia da colecção particular de JCF)