quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Balada para Salgueiro Maia em S. Torcato



Balada para Salgueiro Maia em S. Torcato

Para acabar com o luto
De noivas, avós e mães
É que a noite deu fruto
Nas armas dos capitães.
Nas portas da madrugada
De Santarém nos limites
Foi Lisboa atravessada
Pelo grupo de Chaimites.
Passou no Terreiro do Paço
Ali bem defronte do rio
A caminho doutro espaço
Deu a volta no Rossio.
Para cercar com disparos
O Governo de surpresa
O quartel com fiéis raros
Tinha ali a sua defesa.
Porque foi em S. Torcato
Escola Primária pequena
Que desenhou o formato
De tanta força serena.
Vendo o pai ferroviário
Com a lancheira já fria
Quis o país ao contrário
Da guerra veio alegria.
Hoje é só mercadorias
Venda Novas ao Setil
Não se repetem os dias
Na estação que era febril.
Veio um grupo de rapazes
A governar a Nação
São coladores de cartazes
A cobrar a comissão.
Nada sabem do passado
Nem da guerra africana
Cada momento gravado
Cada dia uma semana.
Os votos de dois milhões
São apenas maioria
Porque ganhar eleições
Não chega a democracia.

José do Carmo Francisco 

(Foto de Alfredo Cunha)

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Alexei Bueno nas Escadinhas do Duque



Alexei Bueno nas Escadinhas do Duque

Tinha que ser escritor este bandeirante
Nome herói de romance em homenagem
Assim a Rússia já não fica tão distante
Numa vida que é também uma viagem

Nas Escadinhas do Duque é rei à mesa
Dá lições de poesia em breve seminário
Entre cerveja e amendoim nasce a beleza
Da Poesia que o Mundo vê ao contrário

Somos poucos aqui um grupo acantonado
Na mesa posta por D. Rosa na sexta-feira
Viajamos num bacalhau bem temperado
Pelo azeite tão puro e leve duma oliveira

No Camões a mulher feia vende cocada
Desesperam por um visto os brasileiros
Que pena a vida não poder ficar parada
Aqui onde os poemas nascem inteiros

José do Carmo Francisco   

(aguarela de Miguel Levy)     

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

A Viagem de Pedro


A Viagem de Pedro

O meu amor é uma viagem que não termina
Entre Coimbra e Alcobaça, dois mosteiros
É uma história que cabe inteira e pequenina
Dentro duns versos curtos mas verdadeiros   

Adormeci numa das vilas do Alto Alentejo
Olhando toda a lonjura quente da planície
Tão infinita como é a força do meu desejo
Mas sem volume, sem peso nem superfície

O meu amor é uma viagem que não termina
Entre a Pederneira e este porto da Atouguia
Inês traz-me um mapa na sua voz de menina
E nas mãos empurra as sete ondas da alegria

Fixei todo o meu romance entre água e terra
Entretanto o oceano recuou, ficou para trás
O meu barco apodreceu onde hoje é a serra
Mas o meu amor não encontrou ainda a paz

José do Carmo Francisco 

(foto de Luís Milheiro)  

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

A Trança de Conceição



A Trança de Conceição

Uns dedos a desfazerem a tua trança
Memórias de mãos distantes e antigas
Nas janelas da tua casa de criança
Chega o som de orações e de cantigas

São rezas, são salmos, são ladaínhas
De grupos a subir do vale ao monte
Unidos nas palavras mais sozinhas
E na sede mais ansiosa de uma fonte

Uns dedos a desfazerem a tua trança
São o reflexo da ternura da tua mãe
Para transformar dor em esperança
Sem esperar pela ajuda de ninguém

A tua trança é o relógio e o calendário
Dos dias e dos anos da minha vida
Quem me dera virar tudo ao contrário
A fazer do olhar uma eterna despedida

José do Carmo Francisco   

(óleo de Laine Kainaize)