quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Memória justificativa do livro «The Busby Yers»


Memória justificativa do livro «The Busby Years»

(a Francisco José Viegas, autor de «Morte no Estádio»)

A morte será também um fuso horário
Um meridiano de silêncio e de escuridão
Entre a água do rio e a madeira do bosque
Todos trazemos uma bagagem de mortos
Este livro evoca os jogadores do M. United
Perdidos num desastre aéreo em Munique

Há a nossa memória de Pavão nas Antas
No jogo treze e no minuto treze a morrer
Em Coimbra, Néne perdido num desastre
Quando o mini não desfez a curva grande
Em Lisboa Toni Kakinda a forte esperança
Da equipa de Caneira e de Simão Sabrosa
Antes Pepe em Belém de vinte e três anos
Com a mãe a trocar bicarbonato por potassa

Nunca se fala nos jornalistas também mortos
Os enviados especiais a esse lugar de morte
De onde já não é possível escrever notícias
Morreram todos assim no seu fato completo
Caneta de tinta permanente e bloco de notas
Cachimbo e todos eles de chapéu à Borsalino
Mas tirando as suas famílias e alguns colegas 
Pouca gente recordará hoje os seus nomes

Comprei o livro numa livraria em frente
Ao portão do Observatório Astronómico
A separar os dois lugares há um relvado
Uma metáfora imediata de todos os altares
Na liturgia dum jogo afinal mais que jogo
A memória activa, o espaço de sentimento
Lugar verde onde ficaram todos os sonhos
Adormecidos devagar pela diária rotina

A vida é na verdade a preto e branco
Por isso estas fotografias são verdade
A cor é apenas a mentira consentida
Só há estas duas cores nas lágrimas
O mesmo para o medo, para a morte
Escusamos de procurar o colorido
A vida é na verdade a preto e branco
E ficou nos velhos álbuns de família

Passam por mim japoneses de uniforme
Jovens alunos em passeio de finalistas
Não pensam na morte sequer Hiroshima
Não reparam no livro que levo na mão 
Querem apenas viver e têm a sua pressa
A morte será também um fuso horário

José do Carmo Francisco  

(Fotografia de Autor Desconhecido)
        

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Canção breve para dois retratos


Canção breve para dois retratos

Dois retratos tipo passe na cabina
Do centro comercial movimentado
Entre o passeio na quebra da rotina
E o som das gentes no café ao lado

Tomás mais habituado a fotografias
Mas Lucas olha de surpresa a cidade
Cinco anos são mil e oitocentos dias
Quatro meses são apenas novidade

Lucas no seu olhar confia e acredita
No Mundo à sua volta na praceta
A mãe que lhe dá ternura é bonita
O pai vê o retrato quando projecta

Um Mundo novo sai do estirador
Onde Lucas vai ter o seu lugar
Tomás é pai pequeno, protector
Na praceta onde o verbo é amar

José do Carmo Francisco    

(O óleo é de  Kris Lewis)

sábado, 8 de novembro de 2014

A princesa do mouchão (da Póvoa)


A princesa do mouchão (da Póvoa)

A princesa do mouchão / Menina no meio da terra
Tem nos olhos a canção / Coração em pé de guerra.
Da água toda a frescura / Mata a sede aos animais
Em manadas na lonjura / Do lado oposto do cais.
Papoilas são raparigas / Na voz da terra a cantar
Água e terra são amigas / Só a água vai para o mar.
Olhas a terra trazida / Pelas cheias deste rio
Milhões de dias de vida / Entre o calor e o frio.
Memória é pensamento/ Auto-estrada é novidade
Os baldinhos de cimento / Passam sem velocidade.
Sobre os carros da gente / Numa nuvem de poeira
Vem o vento de frente / Mistura o pó da caldeira.
Neste ar em circulação / Onde os nosso pulmões
A olhar para o mouchão / Fazem dos olhos canções.

José do Carmo Francisco

(O óleo é de Joan Beltran Boffil)