Lamentação e pranto
de Jill McBain em Sweetwater
(para Cláudia Cardinale em Aconteceu no Oeste)
Não tive tempo para nada.
A trompete ajudou com as suas notas sincopadas a simular os
meus soluços que ninguém ouviu. Nunca tinha visto um banquete de morte. Lá
longe, em New Orleans,
as mesas servem sempre para as refeições e para a alegria dos encontros. Aqui de
nada serviu a recomendação de Brett à filha para cortar as fatias do pão muito
maiores que o habitual.
Não tive tempo para nada.
Nem para as lágrimas que são a água salgada da revolta
perante a injustiça da morte. Nem para perceber quem mandou matar uma família
inteira. Nem para perceber porquê. Ainda era cedo. Sei agora a diferença entre
a água doce do meu poço e o sal da água azul do Oceano Pacifico que está num
quadro da parede da carruagem de luxo de Mr. Morton.
Não tive tempo para nada.
Afinal ainda é cedo para saber de um homem, moreno e triste,
capaz de, como quem cumpre uma sentença, matar vários assassinos depois de
tocar uma melodia vagarosa numa harmónica velha, presa ao pescoço por uma corda
muito mais pequena e estreita do que a outra, a utilizada para enforcar o seu
irmão mais velho numa infância já distante.
Não tive tempo para nada.
Aos poucos percebi como é possível construir um sonho em miniatura. A madeira
está paga, os barris cheios de pregos estão à espera. É só contar os passos e
marcar o perímetro das primeiras casas de Sweetwater. A Estação e a Igreja, o
Banco e o Hotel, as primeiras lojas. O sonho de Brett McBain não pode ficar
adiado. A roldana do poço espera por mim. Os primeiros operários do
caminho-de-ferro acabam de chegar e estão mortos de sede.
José do Carmo
Francisco
(Fotografia de autor desconhecido)