Poema periférico para Ana Santos Barros
Meu avô José Almeida usava as lágrimas
Em vez de pregos nos caixões dos anjinhos
Que fazia sem levar dinheiro pelo trabalho.
Vinham rapazes de
longe, primos ou irmãos
Do menino morto com
o tifo ou o garrotilho
Com o pedido por
favor do pai da criança.
Vestir o morto e chorar era coisa delas
Das mulheres da família reunidas em casa
A comer apenas o que as vizinhas davam.
Meu avô trabalhava
devagar na oficina
Na nossa terra nem
médico nem farmácia
Mais que solidão aquilo
era o desamparo.
«Fazer versos dói» como pregar pregos
No caixão para o anjinho a pedido do pai
Chama-se S. Catarina podia ser S. Mateus.
Qualquer lugar
serve para sofrer a vida
Sem os momentos
felizes nem as ilusões
Do Cinema, do Teatro
ou da Literatura.
José do Carmo Francisco
(Fotografia de autor desconhecido)