quinta-feira, 18 de dezembro de 2025

Balada da Calçada do Combro

 


Balada da Calçada do Combro
 
A Rua de todos os dias
Onde eu ia quatro vezes
E as noites mais sombrias
Demoravam como meses
 
Polícia à porta da Escola
A proteger as meninas
O amor era uma esmola
Pedida noutras esquinas
 
Poço dos Negros abaixo
Em cima era o Calhariz
Na memória que eu acho
Tudo é escuro e infeliz
 
Havia a guerra e o medo
Estava perto a inspecção
Um poema era segredo
Na Escola Veiga Beirão
 
Ao sábado até à uma
O trabalho continua
A bica de alta espuma
Espera por mim na rua
 
Manhã de segunda-feira
Vinte e oito na pendura
Uma vida verdadeira
Não se vive em ditadura
 
Nos cafés ao fim do dia
Os boatos são notícias
Falar é uma teimosia
À paisana são polícias
 
«Suplemento literário»
Quinta-feira nos jornais
Via o tempo ao contrário
Onde os sonhos eram reais
 
Passam já quarenta anos
Sobre mim sobre a calçada
Fora estes mitos urbanos
Parece que não houve nada
 
Excepto talvez a ternura
Que se gastou em excesso
A calçada é uma gravura
Mas virada do avesso
 
Onde até eu sou presente
Na multidão disfarçado
Estou no lugar da frente
Assim vou a todo o lado
 
Numa porta de Livraria
Vi Bocage em imagem
Na paragem da alegria
Acabou esta viagem
 
José do Carmo Francisco

(Fotografia de autor desconhecido)

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