sábado, 16 de janeiro de 2021

Não me venham com cantigas (para J.H. Santos Barros 1946-1983)

 


Não me venham com cantigas (para J.H. Santos Barros 1946-1983)
 
Claro que fazer versos dói, não duvido, mas o pior é doer em mim
o que fizeram aos teus versos, soltando os cães que os dizimaram
fingindo esquecer que a melhor homenagem possível é a de respeitar
os teus poemas dos anos 60, 70 e 80. Mas não, mas não.
Como se não bastasse a tragédia de 83, o país de sacanas e de analfabetos
celebrou em trágico os teus 75 anos no passado dia um de Janeiro.
Havia o morto que fala, o cantor que não canta, o juiz que trabalha na TV,
temos um livro povoado de erros crassos e de gralhas que também são erros.
Ao contrário de ti não digo «venham-me com cantigas» mas sim
«não me venham com cantigas» também porque já não tenho idade.
Porque um dia terei de explicar à tua neta que vive nos Estados Unidos da América
esta trapalhada bem portuguesa. Porque ela usa o nome da família da Ivone em Grândola
um nome que define una medida para servir a aguardente nas tabernas.
E eu não sou capaz. Vai para além do meu entendimento.    
 
José do Carmo Francisco  

(Desenho de Cruzeiro Seixas)


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