Atento, discreto, pacato.
No perímetro da luz, olha a dona. O gato.
No lume aceso com a lenha
do barracão antigo, as sombras são afastadas até ao sótão da infância. Aos
gatos, sua paisagem, seu povoamento.
Que força empurra o gato
frente ao sol no castanho-luz do telhado?
Teu gato a quem a chuva
proíbe telhados e terraços. Veio do Egipto num navio de Veneza. No Cacém, sorri
à dona portuguesa.
Terra trazida. Pequenas
partículas de chuva nos limões e nas maçãs, invisíveis memórias de uma terra
trazida. Minha terra, perto do teu gato.
Vejo intervalos de sol
nos telhados do bairro, humidade permanente a respirar nas telhas como se o
prédio fosse um corpo cansado, humano. O gato espreita.
Roubar alguns cabelos
teus para fazer cordas de uma guitarra. Suave melodia, frente ao gato.
Há no teu olhar telhados
infinitos, memória de paquetes brancos no rio e de sardinheiras vermelhas na
varanda ao lado. Luz e calor. Gatos e sorrisos.
Há na tua voz um som que
incorpora os sinos de Lisboa. De São Roque à Sé, da Conceição Velha à Madre de
Deus. Toda a geografia de um afecto assim reproduzido, junto ao gato na janela.
José do Carmo Francisco
(óleo de Carla Raadsveld)
(óleo de Carla Raadsveld)
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