sábado, 16 de junho de 2012

o corvo de Papillons Walk



Cai aqui uma chuva macia e certa
Na estrada do domingo de manhã.
Teimoso e obstinado, o corvo corre
Nos intervalos dos poucos automóveis.
Será o resto de um pão preso ao asfalto
Deixado cair por uma criança indolente.
Mal surge o som e a imagem na curva
De Morden Road, o corvo salta da rua.
Nada sabemos deste corvo capaz de viver
Dentro do tempo de duas guerras mundiais.
Em 1914 terá fugido ali para Greenwich
Matando a fome na cantina da Academia.
Em 1939 escondeu-se no Rio Quaggy
Onde não chegavam as bombas alemãs.
O corvo de Papillons Walk salta
Por cada automóvel que aqui passa.
Nada sabe da chuva desta manhã
Nem dos cânticos da igreja ao lado.
Sem idade nem memória, só futuro
Há nele uma pujante razão de ser.
Não se distrai com os esquilos
Que cruzam os jardins das moradias.
Não se concentra nas crianças da rua
Nas suas roupas, gritos e abóboras.
Não se envolve no trânsito da rua
E no som do guarda-lamas nas lombas.
Em Papillons Walk o corvo come
Um pão que não seca nem termina.

José do Carmo Francisco

1 comentário: