quinta-feira, 25 de setembro de 2025

Lamentação e pranto de Jill McBain em Sweetwater


Lamentação e pranto de Jill McBain em Sweetwater

 

(para Cláudia Cardinale em Aconteceu no Oeste)
 
Não tive tempo para nada.
A trompete ajudou com as suas notas sincopadas a simular os meus soluços que ninguém ouviu. Nunca tinha visto um banquete de morte. Lá longe, em New Orleans, as mesas servem sempre para as refeições e para a alegria dos encontros. Aqui de nada serviu a recomendação de Brett à filha para cortar as fatias do pão muito maiores que o habitual.
Não tive tempo para nada.
Nem para as lágrimas que são a água salgada da revolta perante a injustiça da morte. Nem para perceber quem mandou matar uma família inteira. Nem para perceber porquê. Ainda era cedo. Sei agora a diferença entre a água doce do meu poço e o sal da água azul do Oceano Pacifico que está num quadro da parede da carruagem de luxo de Mr. Morton.
Não tive tempo para nada.
Afinal ainda é cedo para saber de um homem, moreno e triste, capaz de, como quem cumpre uma sentença, matar vários assassinos depois de tocar uma melodia vagarosa numa harmónica velha, presa ao pescoço por uma corda muito mais pequena e estreita do que a outra, a utilizada para enforcar o seu irmão mais velho numa infância já distante.
Não tive tempo para nada.
Aos poucos percebi como é possível construir um sonho em miniatura. A madeira está paga, os barris cheios de pregos estão à espera. É só contar os passos e marcar o perímetro das primeiras casas de Sweetwater. A Estação e a Igreja, o Banco e o Hotel, as primeiras lojas. O sonho de Brett McBain não pode ficar adiado. A roldana do poço espera por mim. Os primeiros operários do caminho-de-ferro acabam de chegar e estão mortos de sede.

José do Carmo Francisco

 
(Fotografia de autor desconhecido)


domingo, 21 de setembro de 2025

Canção breve para os meninos na Foz do Arelho


 
Canção breve para os meninos na Foz do Arelho
 
Sejam o Lucas e o Tomás
Sejam o Pedro e o António
Os quatro são gente capaz
De funcionar em harmónio.
Numas férias merecidas
Entre a Lagoa e o Mar
Quatro linhas quatro vidas
Sempre prontas a cantar.
 
José do Carmo Francisco
 
(Fotografia de Luís Eme)

terça-feira, 16 de setembro de 2025

Canção breve para o Montijo em 1958


Canção breve para o Montijo em 1958
 
Pode ser o Manuel Gaibéu
Ou o Joaquim Caramelo
Nem esta infância é o céu
Nem a memória o castelo.
Vem um homem na carroça
A vender vinho de Pegões
Nesta rua que é só nossa
Já é tudo em garrafões.
 
José do Carmo Francisco
 
(Fotografia de autor desconhecido)
 

domingo, 7 de setembro de 2025

Balada da sardinheira da Abadia


 
Balada da sardinheira da Abadia
 
Manuel Ribeiro de Pavia
Do Alentejo profundo
Faz da Vieira de Leiria
O desenho do seu mundo.
Almocreves nas galeras
Com a pressa de chegar
Sem paragens ou esperas
Voltam as costas ao mar.
A mais bela sardinheira
Canastra não cabe mais
Saiu da Praia da Vieira
Para os distantes casais.
Há quem não tenha dinheiro
Paga-se em quartas de milho
Este dia vive-se inteiro
E assim se cria um filho.
Casas de roupa estendida
Seja dúzia ou quarteirão
A sardinha traz nova vida
A quem a come no pão.
Mesmo no rol dos fiados
Tem cada dia a surpresa
Sabe escolher dos dois lados
Toucinho ou peixe na mesa.
Fritas, cozidas ou assadas
As sardinhas estão no pão
Com sopa de misturadas
A mais feliz refeição.
Esta bela sardinheira
Da Vieira de Leiria
Caminha a manhã inteira
Para chegar à Abadia.
Com rodilha feita em casa
Ou comprada numa feira
O calor do sol em brasa
Não detém a sardinheira.
Sardinheira do meu sonho
Está no Liceu de Leiria      
Na balada que proponho
Só sobeja a melodia.
 
José do Carmo Francisco    
    
(Fotografia de autor desconhecido)

sábado, 5 de julho de 2025

Celeste


 Celeste

Foi aluna da Casa Pia
Fez sementeira feliz
na manhã daquele dia
Que deu Pátria ao País
Ao juntar cravos à G3
Criou uma nova aliança
Deu ao tempo português
O horizonte da esperança

José do Carmo Francisco

(Fotografia de autor desconhecido)

segunda-feira, 16 de junho de 2025

Nova marcha de Santa Catarina

 

(Lisboa 14-6-2025, dedicado a Luís Almeida)


Nova marcha de Santa Catarina

Dizem que veio de Espanha
Quem ensinou esta arte
Podia ser da Alemanha
Ou até da Grâ Bretanha
O Mundo é uma só parte.
Começou em oficinas
Gente da casa e dos povos
Unidades pequeninas
Com cornos das Argentinas
Para fazer cabos novos.
Santa Catarina
Teus navalheiros
São a tua imagem
São os primeiros.
Santa Catarina
Meu sentir profundo
O teu nome chega
A todo o Mundo.
Nas Relvas ou Granja Nova
Seja qual for o lugar
Na Quinta da Ferraria
No Peso ou na Vigia
Toca a roda a amolar.
Penas e Casal da Azenha
Seja a Mata ou a Portela
Não há quem te detenha
És a beleza estremenha
És a mais linda aguarela
Santa Catarina
Teus navalheiros
São a tua imagem
São os primeiros
Santa Catarina
Meu sentir profundo
O teu nome chega
A todo o Mundo
 
José do Carmo Francisco

(Fotografia de autor desconhecido)

sábado, 31 de maio de 2025

Canção trigésima sétima para Ana Isabel


Canção trigésima sétima para Ana Isabel

Havendo até quem duvide
Mas este lugar ajardinado
Já foi uma Escola da PIDE
Num pretérito passado.
Há quem teime e insista
Querem apagar a História
O Arquitecto paisagista
Só diploma, não memória.

José do Carmo Francisco

(Fotografia de autor desconhecido - o povo a assistir à ocupação da Escola pelos Militares na Revolução de Abril)


segunda-feira, 26 de maio de 2025

Canção breve para Rui Borges


Canção breve para Rui Borges

Nos mistérios do Destino
Mas seja lá o que isso fôr
Há um escritor argentino
E um português treinador.
De Moncorvo a Mirandela
Esse nome Borges é igual
Está uma Cabala à janela
Da Argentina a Portugal.

José do Carmo Francisco

(Fotografia de autor desconhecido)


 

segunda-feira, 19 de maio de 2025

Canção breve para o Sporting de 1928

 

Canção breve para o Sporting de 1928


No bicampeão português
E quase cem anos depois
Vejo António, um marquês
E na defesa os outros dois.
Jorge Vieira um operário
Cipriano um marinheiro
No seu combate diário
São três leões por inteiro

José do Carmo Francisco

(Fotografia de autor desconhecido)


domingo, 11 de maio de 2025

Musa em memória de esplanada

 


Musa em memória de esplanada
 
Onde outrora havia o gás
E uma bomba de gasolina
A musa é um selo de paz
Na esplanada desta esquina.
 
Apenas o TOFA se mantém
Nas doces saquetas eternas
E quase não para ninguém
São as esplanadas modernas.

José do Carmo Francisco

(Fotografia de Luís Eme)


sexta-feira, 9 de maio de 2025

Musa em fim de semana

 


Musa em fim de semana
 
Quando chega a sexta-feira
Nas folhas dum calendário
Na Quinta da Regaleira 
O tempo passa ao contrário.
 
A musa abre um império
De sonhos e de segredos
No poço que é um mistério
O som do mar nos penedos.

José do Carmo Francisco  

(Fotografia de Luís Eme)

sábado, 5 de abril de 2025

Canção para os nove anos do António

 


Canção para os nove anos do António

No meu tempo de criança
(que eu já tive esta idade)
Existiu sempre uma aliança
Entre o Amor e a Verdade.
Passo o tempo em revista
Fica frase que me doeu
«Os filhos do motorista
Não estudam no Liceu».

José do Carmo Francisco

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)

 

sexta-feira, 14 de março de 2025

Canção nº 93 do Messenger

 


Canção nº 93 do Messenger

É um abraço apertado
De confiança e ternura
Daniel tem a seu lado
A menina bem segura.
Eles olham o presente
À procura dum futuro
Onde caiba toda a gente
Um tempo certo e seguro.

José do Carmo Francisco

(Fotografia de JCF)


terça-feira, 25 de fevereiro de 2025

Musa em côr de vinho

 


Musa em côr de vinho
 
O vinho é o tempo engarrafado
O álcool, o açúcar, o frio e o calor
Das caves viaja para todo o lado
Chega às mesas dum imperador.
 
Na festa da vindima terminada
Se regista uma alegria repetida
Havia homens em fila na estrada
Cada dia surge de novo outra vida.

José do Carmo Francisco

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)


quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025

Canção nº 68 para CR7

 


Canção nº 68 para CR7

Quando ele caiu na Avenida
Junto ao Marquês de Pombal
Rasgou um pouco da vida
E chorou sobre aquele mal.
Vinte e oito anos passados
Do encontro com a senhora
Não tem joelhos esfolados
Tem quarenta anos agora.

José do Carmo Francisco 

(Fotografia de autor desconhecido)


terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

Canção nº 70 para Miguel Garcia

 


Canção nº 70 para Miguel Garcia

Os golos marcados fora
Contavam mas a dobrar
Miguel Garcia na hora
Ficou o herói de Alkmar.
Na derrota ao contrário
Ouvida no descampado
Este homem do Aquário
Tem lugar em todo o lado.

José do Carmo Francisco

(Fotografia de autor desconhecido)


sábado, 25 de janeiro de 2025

Musa em castanho escuro


 

Musa em castanho escuro
 
Nova declinação dum tom castanho
Bandeira de uma convocada alegria
Juntando na marcha vário tamanho
Mas toda uma uniforme nostalgia.
 
No recanto da casa é uma cozinha
Perto das brasas a luz dum panelão
Na sombra esquecida mas vizinha
Sabemos que a morte não tem razão.

José do Carmo Francisco

(Óleo de Igor Obrosov)
 

quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

Musa em castanho claro

 


Musa em castanho claro
 
É côr de terra a tua camisola
Que multiplica a sementeira
A ternura na porta da Escola
É suspensa para segunda-feira.
 
Na luz feliz destes dois dias
Há uma quase certeza de ficar
Como quem sai das fotografias
Quando estava junto ao mar.

José do Carmo Francisco

(Fotografia de Luís Eme - Lisboa)

quinta-feira, 9 de janeiro de 2025

Musa em canção nocturna



Musa em canção nocturna
 
No nocturno cancioneiro
O poema é uma resposta
Se poético é verdadeiro
Só a mentira não gosta.
 
Desta estranha liturgia
A ligar como oração
O sonho do novo dia
Entre instinto e razão.

José do Carmo Francisco

(Fotografia de Luís Eme - Ginjal)