Há certos minutos perto
de ti em certos dias de chuva e de sol que me transportam de imediato aos dias
variados da Ilha de São Miguel: chuva em Ponta Delgada, sol na Ribeira Grande,
chuva em Porto Formoso, sol na Maia. E assim, sucessivamente. Contigo foi quase
igual: chuva à porta da estação do Metro de Telheiras, sol só muito depois
quando partiste para o Areeiro, a caminho de uma ligação suburbana. Nunca
percebi estas complicadas ligações entre o clima do lado de fora e o clima
interior. As chuvas são muitas vezes, quase sempre, antecedidas por nuvens que
parecem feitas de chumbo. E o seu peso alaga o clima sentimental interior de
cada um de nós. Tudo acontece mais tarde e pior, mais devagar e mais longe. O
Mundo aparece como uma patrulha hostil que nos exige os documentos e o
salvo-conduto, o santo e a senha. E nem sempre os documentos estão em ordem,
nem sempre o bilhete de identidade diz tudo sobre o estado civil das pessoas.
Sobre a altura (da angústia) e sobre os sinais particulares (dos sentimentos)
então nem é bom falar. Está tudo fora do prazo de validade e nenhuma Loja do
Cidadão resolveu até agora esses problemas.
Contigo é diferente. Nos
teus olhos brilha o outro sol. O da campina, o da lezíria, o das sementeiras
entre cânticos de trabalho e sementes de esperança. Conseguiste conservar os
elementos essenciais dessa força e desse esplendor que o sol da cidade não
consegue ter. Por isso não ficaste muito incomodada com a chuva que te recebeu
na porta da estação do Metro de Telheiras. Sabias que o teu olhar acabaria por
empurrar as bátegas frias de encontro às nuvens mais cinzentas e mais pesadas
do horizonte desta cidade.
José do Carmo Francisco
(Fotografia de Fred Stein)
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