domingo, 2 de outubro de 2016

Entre a Chuva e o Sol


Entre a Chuva e o Sol

Há certos minutos perto de ti em certos dias de chuva e de sol que me transportam de imediato aos dias variados da Ilha de São Miguel: chuva em Ponta Delgada, sol na Ribeira Grande, chuva em Porto Formoso, sol na Maia. E assim, sucessivamente. Contigo foi quase igual: chuva à porta da estação do Metro de Telheiras, sol só muito depois quando partiste para o Areeiro, a caminho de uma ligação suburbana. Nunca percebi estas complicadas ligações entre o clima do lado de fora e o clima interior. As chuvas são muitas vezes, quase sempre, antecedidas por nuvens que parecem feitas de chumbo. E o seu peso alaga o clima sentimental interior de cada um de nós. Tudo acontece mais tarde e pior, mais devagar e mais longe. O Mundo aparece como uma patrulha hostil que nos exige os documentos e o salvo-conduto, o santo e a senha. E nem sempre os documentos estão em ordem, nem sempre o bilhete de identidade diz tudo sobre o estado civil das pessoas. Sobre a altura (da angústia) e sobre os sinais particulares (dos sentimentos) então nem é bom falar. Está tudo fora do prazo de validade e nenhuma Loja do Cidadão resolveu até agora esses problemas.
Contigo é diferente. Nos teus olhos brilha o outro sol. O da campina, o da lezíria, o das sementeiras entre cânticos de trabalho e sementes de esperança. Conseguiste conservar os elementos essenciais dessa força e desse esplendor que o sol da cidade não consegue ter. Por isso não ficaste muito incomodada com a chuva que te recebeu na porta da estação do Metro de Telheiras. Sabias que o teu olhar acabaria por empurrar as bátegas frias de encontro às nuvens mais cinzentas e mais pesadas do horizonte desta cidade.

José do Carmo Francisco

(Fotografia de Fred Stein)

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