segunda-feira, 23 de abril de 2018

Poema periférico para Isabel Gouveia



Poema periférico para Isabel Gouveia

Nem salada da Macedónia nem pratos de Creta
Nesta mesa onde apenas o cinismo se mascara
De harmonia e o medo se esconde no perfume.
Nada que não seja habitual e bem conhecido
Numa pátria iletrada que não lê e não conhece
Os exactos limites da sua ignorância já antiga.
Nesta mesa há um rebanho meio disperso
Com uma ovelha ronhosa que por aqui fugiu
E não responde ao cão nem ao pastor aflito.
Cinquenta e cinco anos depois do primeiro livro
O poeta insiste na modulação da voz do Mundo
E continua a tentar o poema velho e sempre novo.
Quase quatro mil anos depois o disco de argila
Continua a oração à Deusa-mãe daquele tempo
Sempre soletrada devagar e de fora para dentro.
Metáfora da vida, a viagem não tem fim conhecido
Sabe-se como começa mas nunca como termina
Como uma clássica guerra entre dois beligerantes.
Este poema é como uma oração a ligar de novo
Tudo aquilo que no Mundo a morte separou
No coração de quem ainda canta e não esquece.

José do Carmo Francisco     

(Óleo Charles Sheeler)

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