Uma gramática de luz
A cidade, esta cidade de Lisboa tem uma gramática de luz que só se descobre
quando, por um acaso no seu quotidiano sempre igual, o cidadão que a habita se
vê obrigado a levantar-se muito cedo. Por muito cedo entendemos as seis horas
da manhã. Mas não só o levantar; era preciso levar um elemento da família ao
local de trabalho num automóvel que por acaso tinha uma marcação á porta da oficina
da marca antes das oito horas da manhã para a revisão dos 135 mil quilómetros. De
Moscavide ao Aeroporto foi como se estivesse a chegar de uma viagem à Europa. A
cidade começava a abrir os olhos e, tal como uma pessoa, dava início a mais um
dia sacudindo o sono da noite e dando os primeiros passos. Era ainda muito
cedo, tão cedo que cheguei á oficina às sete horas em ponto. Tinha sido uma
viagem verde desde o verde simpático dos semáforos ao verde feliz das árvores
da Avenida Defensores de Chaves. Pouco a pouco a luz avança contra a névoa, uma
ambulância sacode a pacatez da avenida com o som estridente da sua urgência.
Será um velhinho ou uma criança, o início ou o fim da maratona que é, afinal, a
vida?. Não sei nem nunca saberei. A velocidade não permite a identificação.
Estou sentado num velho automóvel à porta de uma oficina para entregar à
competência dos técnicos a revisão dos 135 mil quilómetros. Entretanto a
gramática de luz da cidade vai conjugando as várias formas do verbo sorrir. A
mulher da limpeza, o mecânico a chegar, o segurança que sai de turno, todos me
dizem bom dia e me abraçam num sorriso lento, cósmico e doce. E chega a minha
vez de dizer em voz alta, embalado na gramática da luz: Bom dia, Lisboa! Minha
Cidade, Meu amor!
José do Carmo Francisco
(Fotografia de Alexandre Nobre)
Vim aqui espreitar porque o título me atraiu e fiquei encantada com as suas imagens e fotos. E também gostei muito do texto! É que Lisboa também é a minha cidade, o mau amor!
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