Balada para o teu pesa-papéis
Não posso dizer, como no famoso
poema que a pedra estava «no meio do caminho» porque ela estava, de facto, à
beira do caminho. Era um caminho de cabras e de pastores, algures entre
Proença-a-Nova e Oleiros, numa tarde de sábado a arrastar os meus sapatos
voltados para o pó e os meus pensamentos voltados para ti.
Sei que tens uma
secretária onde um carteiro pontual deposita paulatinamente envelopes com toda
a espécie de documentos: facturas, recibos, ofícios, extractos de conta, papéis
diversos. Então lembrei-me de ti e da tua secretária sempre povoada de papéis. Urge
domesticar e organizar esses papéis contra o vento da Serra de Sintra que
aparece quando tu abres a janela lateral para um pouco de sol ou de fresco.
Esta é uma pedra com
milhares (ou talvez milhões) de anos, tem no seu dorso infinitas horas de sol e
tantos hectolitros de chuva que ninguém pode medir ou, sequer, calcular. Esta é
uma pedra que transporta consigo o cheiro da terra, o peso do seu silêncio, a
cor que fielmente reproduz para nós a sua origem a partir da erosão de uma
outra pedra. Uma pedra muito anterior a nós. Grande, quieta e inicial.
Esta é uma pedra
especial. Eu trouxe-a para a tua mão a conduzir no tampo da secretária como uma
peça de xadrez, como um retrato, como um pesa-papéis.
Na verdade trata-se de
algo mais do que um simples pesa-papéis. Trata-se de um retrato da terra. Nele
sentirás o frio e o calor, o sol e a chuva, o pó do vento e a água das valetas.
Tudo isto foi concentrado nesta pequena pedra por mim trazida de um caminho de
cabras e de pastores, no meio dos pinheiros, algures entre Proença-a-Nova e
Oleiros.
José do Carmo Francisco
José do Carmo Francisco
(Óleo de Manuel Garcia Rodriguez)
Sem comentários:
Enviar um comentário