No teu olhar é sempre manhã.
Chegaste em Julho, estamos em Dezembro e os dias continuam
cheios de luz como no Verão. No meio da neblina da noite, as luzes do outro
lado da Lagoa são sentinelas a lembrar os bisonhos soldados de 1972 a fazerem a
semana de campo do RI5 deste lado da Lagoa sem receio de nada porque onde hoje
estão as casas de 2016 só havia solidão, silêncio e arvoredo sossegado.
Os teus passos separam a terra da água. De um lado legumes e
saladas; do outro carne, peixe e marisco. Tal como há 60 anos o vinho e o
colorau dão colorido e forma apetitosa ao berbigão fresco que enche o prato
entre o verde da salsa e o branco do pão.
Frente à Lagoa ouve-se e pressente-se o ritmo das ondas do
Oceano. De sete em sete, uma onda maior arrasta a espuma até ao meio da grande duna
de areia que o vento fez crescer. Não sei o teu nome nem nunca saberei mas vejo
no teu perfil de mulher-menina o assombro dos primeiros homens que (diz a lenda
antiga) terão visto a primeira mulher no Mediterrâneo. Entre o espanto e o
fascínio «Mariam» lhe chamaram mas os posteriores desvios semânticos acabaram
por dar «Maria».
O teu rosto celebra a liturgia da abundância nos menus diferentes, na frescura das saladas ao lado do calor do forno a perdurar nos
pratos mais elaborados. Mesmo quando fechas a porta a sorrir, ficamos a saber
que horas depois a alegria recomeça nas mesas limpas, nos copos luminosos, nos
talheres limpos à espera da festa que se repete mas não deixa de ser nova todos
os dias.
No teu olhar é sempre manhã.
José do Carmo
Francisco
(Fotografia de Luís Eme)
Sem comentários:
Enviar um comentário