ATÉ ESSE MOMENTO
Lembrarás então o pai aqui
sentado
A máquina de escrever no
chão
Os discos na parede entre
a luz e o pó
Irão passar talvez muitos
anos
Farás promessas que não
vais cumprir
E dirás ruas para voltar
noutras horas
Será como quem percorre um
caminho
Iluminado pela luz do teu
olhar
À procura das palavras
subterrâneas
Lembrarás então o pai aqui
sentado
Um gelado presente do
indicativo
E silencioso que não fala
– não esquece
Passarás nas tuas mãos um
fio
Será talvez a memória das
noites
O tempo do leite e das
fraldas
Será como quem procura
descobrir
Nos desenhos (nos cadernos
escolares)
Uma outra maneira – a tua
outra voz
Lembrarás então o pai aqui
sentado
Não como pai mas como
anónima pessoa
Surpresa a esperar no céu
do outono
Terás nas tuas mãos um
retrato
O voo das aves por cima da
casa
Como inesperada vírgula do
tempo
Será como quem procura
fragmentos
Num momento ou talvez num
lugar
Na tua idade como um
portão aberto
José do Carmo Francisco
(Óleo de Edward Hooper)
segunda-feira, 26 de abril de 2021
Até Esse Momento
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