domingo, 6 de outubro de 2024

Novo poema nº 50 para Ana Isabel


Novo poema nº 50 para Ana Isabel

As três mesas juntas formam um rectângulo mas eles viram as costas ao tapete verde do jogo da Supertaça que a TV transmite em directo de Aveiro.

O vocabulário limitado, escasso e pobre é um evidente sinal de inferioridade tal como o uso da palavra mano para com alguém que não é irmão, tudo isto revela o básico universo de palavras do rapaz alcoolizado.

Porque entre as garrafas de cerveja a povoar as mesas juntas e a frase «Eu estou aqui», a única Supertaça em disputa é a do vazio, do temor e da morte. 

José do Carmo Francisco

(Fotografia de autor desconhecido)


segunda-feira, 9 de setembro de 2024

Novo poema nº 49 para Ana Isabel


Novo poema nº 49 para Ana Isabel

Quando Elek Schwartz (1908-2000) afirmou no seu puro francês «Mais ce sont des profissionels» refutava as cartas de um africanista que em 1965, depois de quatro empates, o acusava de não conhecer a mística do SLB.

Receber ordenado certo ao fim do mês sejam quais forem os resultados desportivos é o contrário dessa mística pois tem a ver com relações laborais, apenas e só.  

Porque o fiasco da Operação Coração lembra o jornalista para quem o cheque do negócio Poborsky tinha vencimento; é o delírio e a alucinação e nada tem a ver com mística. 

José do Carmo Francisco

(Fotografia de Luís Eme)


domingo, 28 de julho de 2024

Novo poema nº 48 para Ana Isabel

 

Novo poema nº 48 para Ana Isabel

Soube de modo inesperado da morte de Pedro Tamen (1934-2021) a meio de uma tarde de praia, algures na Costa Vicentina mas não será hoje este o caso.

Pedro Tamen como Armando Silva Carvalho ou Fernando J.B. Martinho estão sempre comigo e não podem morrer; em certo sentido é apenas o registo civil que funciona nestas situações.

Porque a Poesia não pára, escreve-se uma canção, um poema ou então mente-se logo - se por mentir puder ser entendido o acto de fingir que a vida é tão importante como o poema procura dar a entender.      

José do Carmo Francisco


sexta-feira, 28 de junho de 2024

Segundo poema para Manuel Fernandes (1986)


Segundo poema para Manuel Fernandes (1986)

Não lhe podem já tirar tudo
mas escondem-lhe o nome, os golos,
as vozes de quem, nas humildes casas
lhe grita o nome à volta do som dum rádio
nas tardes interrompidas dum quotidiano igual.
Não são homens – são sombras, escondem o rosto,
furtivos, fechados nos gabinetes, nos automóveis,
roubam os sonhos, decretam a morte civil
dum jogador assim perseguido sem porquê.
Não lhe podem já tirar tudo
ao menos ficam os troféus oficiais, as recordações,
as homenagens mais particulares
as fotografias dos jornais e os abraços
dos companheiros a correr do outro lado do campo.
Não são homens – são sinais dum castigo
que se perde no fundo do tempo, longe,
lá onde começou a primeira de todas as guerras
lá onde tábuas de morte se pregaram num coração.

José do Carmo Francisco    

(Fotografia de autor desconhecido)


terça-feira, 25 de junho de 2024

Novo poema nº 47 para Ana Isabel


Novo poema nº 47 para Ana Isabel

Há nos algarismos desta idade um misto da infância que não se despede dos nove e da maturidade dos quarenta; é uma mulher-menina a olhar o Mundo no Outono de 2021.

Sobe um rumor de alegria dos pratos da Balança que simboliza toda a ternura, todo o sereno equilíbrio e todo o generoso estoicismo do signo que perdura e nunca se despede.  

Porque primeiro chegou num sonho mas o seu tempo cola-se à verdade do quotidiano do calendário na parede seja num talho seja numa oficina de automóveis; qualquer lugar é sempre tempo de Balança. 

José do Carmo Francisco 

(Óleo de Aron Wiesenfeld)


quinta-feira, 23 de maio de 2024

Novo poema nº 46 para Ana Isabel


Novo poema nº 46 para Ana Isabel

O som de fundo é uma música a metro, canções já batidas ao longo de verões passadas e que hoje são apenas resultado de uma varinha mágica que tudo coloca na mesma bitola; é música para ouvir nos elevadores dos prédios modernos.

Ninguém repara no batuque vazio de música com melodia, há apenas ritmo e nada mais, todos aqui procuram o usufruto da cerveja gelada, do ginger ale com limão, do copo de vinho branco muito fresco.

Porque até a brisa que se levanta do mar incita a não fazer nada, para além de ouvir o telemóvel que por acaso aqui nesta praia não tem propagação em todas as redes.      

José do Carmo Francisco      

(Óleo de Claude Monet)


quinta-feira, 18 de abril de 2024

Novo poema nº 45 para Ana Isabel


Novo poema nº 45 para Ana Isabel

Os cientistas são no fundo pessoas como as outras; acreditam apenas naquilo que lhes convém e depois procuram acertar as circunstâncias com as suas ideias particulares.

A ciência não tem nada de místico neste tempo de 2021 pois a situação flutua entre uma coisa e o seu contrário e para isso há sempre uma resposta ou uma explicação.

Porque o importante é dormir descansado todos os dias, o mesmo é dizer todas as noites depois de desligar a Internet que é o novo relógio do tempo e do mundo.

José do Carmo Francisco   

(Óleo de August Herbin)     

 

terça-feira, 19 de março de 2024

Novo poema nº 44 para Ana Isabel


Novo poema nº 44 para Ana Isabel

A bandeira vermelha é uma indicação para os banhistas mas o nadador-salvador está sem trabalho; a gente da praia prefere o espaço intermédio entre o oceano e a terra para brincar na água que sobejou da recente maré cheia.

O café do motociclista é um combustível cultural no fim da manhã, intervalo de viagens feitas e por fazer na máquina voadora a rasgar a paisagem e a assustar o povoamento. 

Porque tudo isto se inscreve nos dias das férias que, mesmo perturbadas pela pandemia, não deixam de se impor no calendário de quem aqui se fixou de modo provisório.

 José do Carmo Francisco  

(Fotografia de Luís Eme - Algarve) 


domingo, 18 de fevereiro de 2024

Novo poema nº 43 para Ana Isabel


Novo poema nº 43 para Ana Isabel

Um dia Jesus Correia (1924-2003) mostrou-me uma fotografia da equipa dos cinco violinos ao lado da criança prodígio Pierino Gamba de visita a Portugal em 1947.

Hoje vi no Youtube o vídeo com um menino russo com muito estilo a tocar como gente grande o Concerto nº 3 de Mozart para piano e orquestra de câmara.

Porque aqui é tudo uma questão de escala e de dimensão. No caso deste menino eu  tenho todas as dúvidas sobre a duração do efeito surpresa; a única coisa assegurada é o gozo pessoal e íntimo de cada concerto.     

 José do Carmo Francisco

 

domingo, 21 de janeiro de 2024

Novo poema nº 42 para Ana Isabel


Novo poema nº 42 para Ana Isabel

Eram frugais os cavaleiros de Nuno Álvares Pereira a caminho de Monchique; davam de beber aos cavalos na ribeira de São Teotónio, a seguir rezavam e só depois comiam pouco e devagar.

É por tudo isso que ainda hoje tanto a imagem e como o altar antigo permanecem e continuam no pequeno Santuário do Monte da Orada.

Porque nem tudo se perde na erosão do tempo que, sempre e todos os dias, trabalha para o lado do esquecimento.

José do Carmo Francisco

(Fotografia de autor desconhecido)