sexta-feira, 22 de abril de 2016

Costa da Caparica


Costa da Caparica

Um grupo de gaivotas fazia a escrita
Da tarde que desceu tão devagarinho
Nos tractores, na sua forma expedita
De trazer cada barco em seu caminho

À direita vinha a energia mais barata
Do velho sol que teima e que resiste
Deixando sobre  as ondas luz de prata
E oferecendo o iodo ao homem triste

Passam barcos, excursões, tractores
De encontro à maior força do oceano
Mas é no olhar atento dos pescadores
Que esta vida se decide ano após ano

A espuma já desenha o fim deste dia
No poema que é afinal feito de areia
As gaivotas numa tão feliz ortografia
Anunciam uma manhã de maré cheia

José do Carmo Francisco

(Óleo de Adriano Sousa Lopes)
  

sábado, 9 de abril de 2016

Balada para Luís Filipe Maçarico


Balada para Luís Filipe Maçarico

Adeus Lisboa, cidade
Tenho a vida em partilhas
Caldeirada de saudade
Entre Almada e Cacilhas.
Eu digo adeus às matilhas
Em tuque-tuque infectado
Cidade das maravilhas
Está perdida no passado.
Se a Poesia é verdade
No fim tem sempre razão
Na Cova da Piedade
Tive prémio e ovação.
Por Incrível que pareça
Há sempre uma Academia
À espera de nova peça
Na mais teimosa alegria.
E um Céu que tem Maria
A captar em cada imagem
O preto e branco do dia
Povoamento e paisagem.
Na proa dum cacilheiro
O Mundo tem outra escala
Com Luís Alves Milheiro
Saltam poemas da mala.
Casario do Ginjal
Conservas e tanoeiros
Aqui em frente à Capital
Cantam versos derradeiros.

José do Carmo Francisco        

(Fotografia de Luís Eme)

domingo, 3 de abril de 2016

Pavão (dez anos depois)


Pavão (dez anos depois)

Diria dele não um jogador – um símbolo
Centrocampista, armador, trinco, estratego
Mas sempre símbolo talvez do próprio futebol
Uma questão mais do que de vida ou de morte
Questão aberta que teve sempre consigo mesmo
Com a camisola número seis a descer o campo.
Vejo-o, ainda hoje, na Luz, no meio da chuva,  
Os chapéus abertos ao fundo, a baliza enorme
Vítor Baptista, Jordão e Simões na sua frente
Rodolfo muito perto, Rolando mais ao longe
Encharcado de água e de talento ele passava
Com a bola a construir os mais belos sonhos
Guttman e Monteiro da Costa ficavam no banco
Mas no relvado ele desenhava o jogo, a táctica
Os impulsos físicos e morais duma equipa inteira.
Diria dele não um jogador – um símbolo
Dez anos depois da morte em pleno campo
Questão aberta que todos temos connosco.

José do Carmo Francisco (1983)

(Fotografia de autor desoconhecido)